Memorial descritivo de publicações

Minhas publicações acadêmicas versam sobre vários assuntos: design de interação, design participativo, comunicação, etnografia, software livre, etc. Para auxiliar leitores interessados na minha produção cientifícia a entender o que estou fazendo, escrevo sobre os fios condutores entre elas. Já que esses fios não se desenrolam na mesma velocidade e se cruzam constantemente, prefiro apresentar minha trajetória de forma não-cronológica.

Minha publicação de maior impacto até o presente momento é, curiosamente, uma das primeiras. Meu trabalho de conclusão de curso de graduação em Comunicação Social apresenta uma proposta de design centrado no usuário para o portal da Universidade Federal do Paraná, que ofertava o próprio curso. Esse trabalho influenciou o desenvolvimento de vários portais universitários brasileiros e abriu portas para minha participação como consultor na reformulação dos portais da UFPR (2009), UTFPR (2009) e PUC-PR (2010).

Nestes projetos tive a oportunidade de aprender que o design de um portal universitário não depende só de uma metodologia coerente, como a proposta anteriormente, mas principalmente da articulação política com os colaboradores do portal. As lições aprendidas nos referidos projetos foram sintetizadas numa lista de heurísticas para avaliação de portais universitários, levando em consideração não só os aspectos de design, mas também os organizacionais.

Essa última publicação é fruto de uma abordagem de design que está amadurecendo, pouco-a-pouco, à partir da participação em projetos com as seguintes características:

  1. diferentes tipos de pessoas interessadas (stakeholders)
  2. polarização política
  3. relações econômicas desiguais
  4. desejo de mudar a conjuntura

A dissertação desenvolvida no Mestrado em Tecnologia (PPGTE/UTFPR) apresenta alguns esboços no contexto da reformulação do portal da comunidade de software livre BrOffice. O design participativo é selecionado como prática coerente aos princípios de liberdade do software livre, habilitando a participação de mais de 140 membros da comunidade na reformulação. O projeto rendeu um artigo apresentado em congressos de Computação, Comunicação e Arquitetura da Informação, porém, nunca foi implementado. Apesar de ter sido desenvolvido e aprovado pela comunidade, os líderes do projeto decidiram fechar o processo de design para um pequeno grupo, muito preocupado com o vazamento de informações a "concorrentes" como a Microsoft, porém, sem ter a capacidade de implementar o projeto sozinhos.

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A experiência nesse projeto somada à experiência em projetos subsequentes levou à formulação de um conceito de design sempre aberto à participação, desenvolvido totalmente público, gerido por uma comunidade e baseado em tecnologias livres: o Design Livre. Esse conceito foi elaborado para explicar a prática de projeto do Instituto Faber-Ludens de Design de Interação, uma entidade sem fins lucrativos que tive a oportunidade de fundar junto com colegas em Curitiba.

O Instituto Faber-Ludens incentivava que os alunos de seus cursos publicassem um blog na medida em que fossem desenvolvendo seus projetos, o que permitia que outras pessoas tivessem acesso ao processo de design na medida em que se desenrolava, seja para copiar ideias ou modificá-las. Havia uma ênfase em compartilhar não só o código-fonte, mas também o processo de design. O compartilhamento se dava prioritariamente pelo blog, porém, também houveram publicações acadêmicas sobre métodos criados por alunos: um método de criatividade baseado no humor e um método de solução de problemas coletivos. As raízes dessa prática no movimento de Cultura Digital brasileiro e sua característica antropofágica foram documentadas em um artigo de congresso sobre design latino.

Posteriormente, o Instituto Faber-Ludens organizou a escrita colaborativa de um livro sobre o conceito de Design Livre em uma semana, contando com a participação de doze pessoas, dentre alunos, professores e colaboradores. Embora tenha sido um deles, este livro não consta na minha lista de publicações pois os colaboradores escolheram utilizar uma autoria coletiva ao invés de dividí-la entre organizadores e autores de conteúdo.

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Num artigo para o periódico Digital Creativity escrito com colegas, chegamos à conclusão de que o Design Livre se aproxima de uma ideologia libertária quando tenta colocar o futuro como uma questão a ser trabalhada no presente. São apresentados os projetos de ficção de design promovidos pelo Instituto Faber-Ludens em que qualquer pessoa podia interferir com a visão de futuro. Alguns desses projetos se encontram também no Almanaque 2010, uma publicação que organiza a produção imagética do Instituto.

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Apesar das imagens do Almanaque sugerirem criatividade, inovação e colaboração, porém, o dia-a-dia da organização não era necessariamente assim o tempo todo. Sempre houveram divergências entre os diretores da instituição, em especial, em relação à sustentabilidade do Design Livre. Com o meu afastamento da direção para a realização do doutorado na Universidade de Twente, o Instituto Faber-Ludens mudou de estratégia e deixou o Design Livre em segundo plano. A plataforma desenvolvida pelo Instituto para hospedar projetos de Design Livre de outras instituições, a Plataforma Corais foi desvinculada e passou a ser mantida primariamente por mim, no tempo livre do doutorado.

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Esta plataforma foi apropriada pelo movimento de Cultura Digital brasileiro, em especial, pelos pontos de cultura do Nordeste. Estes grupos tiveram participação ativa no desenvolvimento de novas funcionalidades, como a ferramenta de moeda social para iniciativas de economia solidária. A experiência de promover a sustentabilidade do comum nessas comunidades utilizando software livre será apresentada num workshop na Suécia. O código fonte da plataforma encontra-se publicado no repositório do Github, ainda que não completamente organizado.

Ainda sobre Design Livre, organizei um blog coletivo sobre o assunto com vários colaboradores e escrevi um livro para crianças sobre a linguagem de programação em software livre Scratch. Este livro não ensina a criança a programar, mas conta uma história em que a programação e o design se tornam motivo de brincadeira entre os personagens. A abordagem lúdica é a mesma desenvolvida com adultos no Instituto Faber-Ludens: tornar a experimentação com tecnologia uma atividade prazerosa.

Apesar deste envolvimento com o Design Livre, meu doutorado não trata do assunto diretamente. O projeto de pesquisa a que me candidatei na Universidade de Twente já tinha o tema definido: "jogos para o design participativo de hospitais". Meu papel como doutorando é desenvolver este projeto, elaborado em parceria pelos departamentos de Desenho Industrial e de Gestão e Engenharia da Construção.

O primeiro projeto estudado foi um centro de diagnóstico médico por imagem a ser construído no campus da Universidade. Este centro estava sendo projetado sem a participação de usuários, porém, nossa equipe de pesquisa conseguiu convencer os gestores de projeto a organizarem duas oficinas participativas com os profissionais dos hospitais parceiros que viriam a utilizar o espaço.

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Nossa equipe partia da premissa de que visualizações e jogos podiam facilitar essa participação, porém havia carência de conceitualização. O primeiro conceito desenvolvido foi o de auto-representação, justificando por que os usuários deveriam ter controle sobre a forma como suas atividades são representadas nestas visualizações e jogos.

Ao escrever este artigo notei que a relação entre atividade e espaço, de um modo geral, carecia de fundamentação. Os estudos disponíveis ou caíam no determinismo de espaço determina atividade ou no ecleticismo de atividade se apropria do espaço. Apresentarei um artigo num congresso de Estudos de Organização propondo uma relação dialética entre essas duas dimensões. Já num congresso de Design apresentarei um artigo mais específico sobre a reprodução de contradições da atividade para o espaço e do espaço para a atividade.

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Após serem apresentados, estes artigos serão encaminhados a periódicos e integrarão minha tese. Um quarto artigo está em preparação sobre o cruzamento de fronteiras disciplinares e organizacionais por ocasião de processos de design expansivos, baseado em experimentos realizados com um jogo de tabuleiro criado à partir da teoria do aprendizado expansivo. Este artigo dá continuidade à proposta elaborada com colegas do Instituto Faber-Ludens de usar jogos para experimentar contradições em processos de design.

Este programa de estudos de design baseado no materialismo dialético e derivados já havia sido anunciado durante meu mestrado, embora não tenha tido êxito em desenvolvê-lo na dissertação. O artigo Em busca de uma metodologia de design de interação materialista-dialética foi apresentado no Congresso Internacional de Design da Informação e selecionado para um capítulo de livro. Este programa levou, no meu caso, à praxis do design participativo, que desafia as relações de produção desiguais do capitalismo. Uma reflexão sobre políticas de participação no design foi apresentada numa edição posterior do mesmo congresso. Outra reflexão, sobre implicações éticas da participação e não-participação foi apresentada num congresso de Tecnologia & Sociedade. No doutorado estou tendo finalmente tempo e espaço para desenvolver bases sólidas para esse programa de estudos. Num futuro longínquo vejo a possibilidade de uma economia-política do design.

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A questão cultural levantada na minha dissertação de mestrado, infelizmente, não teve continuidade no doutorado. Esta questão gerou, na época, cinco publicações. A primeira é uma aproximação entre um método da Ergonomia e um método da Antropologia para compreender em tempo de projeto a cultura de usuários. A segunda é um artigo polêmico sobre sistemas de classificação na web, explicando porque a folcsonomia não-hierárquica estava crescendo. A terceira continua no tema, focalizando na construção de identidade cultural à partir de sistemas de classificação folcsonômicos. A quarta analise a formação de comunidades imaginadas a partir destas identidades culturais em redes sociais que utilizam o sistema de classificação folcsonômico. A quinta e última é fruto de experimentos feitos com colegas do Instituto Faber-Ludens para estender os sistemas de classificação folcsonômicos.

Documentando toda essa trajetória está o blog Usabilidoido, criado em 2003 para compartilhar minhas pesquisas e opiniões. O blog já foi selecionado entre os melhores blogs de tecnologia do país (Top 10 do Ibest em 2006), recebendo na época 5.000 visitas diárias. No total, já foram publicados 829 posts, que receberam 7.263 comentários de leitores.

Fred van Amstel ([email protected]), 29.05.2014

Veja os coment?rios neste endere?o:
http://www.usabilidoido.com.br/memorial_descritivo_de_publicacoes.html