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User experience e colonialismo digital

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User experience e colonialismo digital

O campo de User Experience no Brasil se formou e continua a se formar como um instrumento do colonialismo digital, facilitando a concentração de poder nas mãos das Big Techs e o conhecimento de design nas mãos de homens brancos héteros do Norte Global. Entretanto, há diversas iniciativas anticoloniais no Brasil, desde o Núcleo de Tecnologia do MTST até o Laboratório de Design contra Opressões da UTFPR. Nesse contexto, o termo user experience (UX) é melhor abreviado como ExU, pois assim se conecta, mesmo que em teoria, com a luta anticolonial dos amefricanos pelo respeito às suas tradições religiosas e culturais.

Vídeo

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Áudio

Apresentação realizada durante o evento UTF Faz Design em junho de 2025.

User experience e colonialismo digital [MP3] 11 minutos

Transcrição

Estou emocionado de estar de volta à Universidade Tecnológica Federal do Paraná após quase dois anos na Universidade da Flórida. Estive afastado por licença para tratar de assuntos particulares. Meu "assunto particular" era uma potencial realização do sonho americano, que acabou virando um pesadelo americano, um American Nightmare. Mas agora estou aqui com vocês. Está tudo bem. Não fui processado, nem preso, nem deportado, ufa!

Hoje vou falar um pouco sobre isso na minha fala rápida, para abordarmos a politização da experiência do usuário ou, como é mais conhecida no Brasil, infelizmente, User Experience, vulgo UX. Esta apresentação é sobre um aspecto dessa politização que justifica uma abordagem crítica: o colonialismo digital. Existem outras maneiras de olhar criticamente para UX, mas vou focar apenas nisso nesta apresentação breve.

Quando se fala em User Experience, normalmente se referencia um autor estadunidense chamado Donald Norman, ainda vivo. Ele editou o livro User Centered System Design (1980) e escreveu o Design do dia-a-dia (1988), e muitas pessoas atribuem tanto o termo "Experiência do Usuário" (User Experience) quanto "Design Centrado no Usuário" (User Centered Design) a esse senhor branco, velho, hétero e normativo. Porém, isso é um erro e manter esse equívoco é uma atitude patriarcal.

A pessoa que cunhou o termo pela primeira vez foi Brenda Laurel, uma mulher, e isso não é por acaso. A atitude de Norman (e de tantos outros na área) expressa essa tendência patriarcal de valorizar o trabalho de homens em detrimento das mulheres. O termo aparece em um capítulo escrito por ela no livro editado por Norman. Ou seja, ele conhecia o termo, mas não o utilizava até 1995, na CHI, quando passou a adotá-lo. A visão de Laurel era muito diferente: mais ética, mais política, mais progressista. Norman simplificou e retirou esses aspectos da proposta.

Estamos tentando recuperar o trabalho dela e relacioná-lo com autores do Sul Global. Porém, embora Laurel seja uma mulher, ela está localizada no Norte Global e não pensa explicitamente questões como colonialismo e imperialismo, que vivenciamos aqui no Brasil no nosso cotidiano.

Autores brasileiros como Davison Faustino e Walter Lippold, no fantástico livro Colonialismo Digital, explicam como a infraestrutura das tecnologias digitais estrangeiras se assemelha muito à estrutura colonial que destruiu Pindorama, as terras indígenas que estavam aqui antes da chegada europeia. Essa infraestrutura impôs um modo de vida, uma cultura, sobre quem vivia aqui e sobre quem foi trazido à força, como pessoas de África.

Essas grandes empresas de tecnologia, as chamadas Big Techs, operam hoje como as grandes companhias de colonização das "Índias", como eram chamados todos os lugares desconhecidos pelos europeus. Por isso, os povos daqui foram chamados de "índios", pois os europeus não sabiam onde estavam. Esse preconceito do outro continua presente, formalizado em algoritmos e sistemas que separam o "outro" daquele que é o padrão normativo do colonizador: o homem branco hétero. Para as Big Techs, os outros são os usuários.

Empresas como Amazon, Facebook e Spotify lucram com mecanismos digitais de exploração de usuários através do UX design. Essas Big Techs reduzem cidadãos de direitos a meros usuários de serviços públicos ou privados. Direitos viram "necessidades" ou "desejos" que podem ser supridos pelo design. Surge então o "problema", que o designer deve resolver e não mais uma discussão sobre direitos.

Rodrigo Gonzato e eu chamamos isso de Usuarismo: uma forma de opressão sistêmica enfrentada ao usar tecnologias digitais, estrangeiras ou nacionais. Ainda não temos um livro sobre o assunto, como Norman e Laurel têm, mas temos um artigo acadêmico no qual desenvolvemos essa crítica.

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O que podemos fazer, na prática, para combater o Usuarismo e o Colonialismo Digital no Brasil? A primeira coisa é traduzir o termo User Experience. Quando retornei ao Brasil depois do doutorado na Holanda, em 2015, percebi que a minha profissão havia passado de "Arquitetura de Informação" para "User Experience". Propus então traduzir o termo como "Experiência do Usuário" e adotar a sigla ExU, que é a abreviação correta em português.

Além de estar correto, o termo valoriza nossas matrizes culturais africanas. Exu é o orixá da comunicação. Faz total sentido associá-lo a uma área que se dedica justamente à comunicação entre pessoas e sistemas. É claro que isso é controverso. Algumas pessoas dizem que eu estaria ofendendo a entidade Exu ao associá-la a algo "vil". Muitas vezes vem também a confusão cristã que associa Exu ao diabo, algo totalmente incorreto. Recuperamos justamente esse aspecto positivo do nome para falar de uma profissão que acreditamos que ainda tem salvação.

camisetas de ExU

O colega Horácio Soares, excelente profissional de gestão e design de produto, criou a camiseta "Exu: a entidade mais próxima do usuário" e traduziu até o "Utility Belt" para "Cinto de Utilidade do Produto". Em 2018, essa tradução já estava circulando. Os livros Ergodesign e Arquitetura de Informação, do Luiz Agner, e Fundamentos de UX, do Guilherme Reis, que são, a meu ver, as melhores introduções ao assunto em português, ambos incorporam a discussão anticolonial que começamos em 2015.

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Mas isso ainda não basta. O próximo passo é engajar-se com os movimentos sociais que já lutam contra o colonialismo digital. Destaco o trabalho do Núcleo de Tecnologia do MTST, muito ativo em São Paulo e com projeção nacional, articulando ações e formações em soberania digital popular. Aqui na UTFPR temos o Laboratório de Design contra Opressões (LADO), cujo propósito é dialogar com movimentos sociais. Na foto, por exemplo, estamos com o movimento Povo pelo Povo aqui de Curitiba.

Se você está pensando em fazer um estágio em uma startup de UX, pense duas vezes. Talvez você queira fazer um estágio de ExU no LADO. Temos projetos em andamento, inclusive com movimentos sociais, e também conversas com profissionais que migram para essa área e pagam boletos. Sim, é possível viver bem com essa abordagem. Não é idealismo.

Por fim, se quiser aprender mais sobre design crítico e EXU, venha para o ixDive, projeto da querida colega Cláudia Bordin Rodrigues. Trata-se de uma experiência autogestionária, onde estudantes ensinam e aprendem mutuamente, uma prática alinhada à pedagogia crítica de Paulo Freire. Ninguém ensina ninguém; ninguém converte ninguém. Aprendemos e nos transformamos coletivamente.

Resumindo: é possível viver bem sem aderir à colonização digital. Junte-se aos seus parças e lute!


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Autor

Frederick van Amstel - Quem? / Contato - 02/12/2025

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Citação

VAN AMSTEL, Frederick M. C. User experience e colonialismo digital. Blog Usabilidoido, 2025. Acessado em . Disponível em: http://www.usabilidoido.com.br/user_experience_e_colonialismo_digital.html

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