Como o mercado de tecnologia evolui

Após alguns anos trabalhando na área você percebe que o mercado de tecnologia evolui por ciclos bastante regulares. Novas tecnologias não surgem do nada, elas são produto de ciclos anteriores. O problema é que quem está no ciclo, quem está envolvido com o desenvolvimento da coisa, tende a achar que está numa situação completamente nova, ignorando toda a história que levou à situação atual.

Existem várias teorias sobre esses ciclos.

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A teoria mais conhecida é a do Ciclo de Adoção Tecnológica, criado por Beal, Rogers e Bohlen. O modelo acima representa o tempo necessário para atingir diferentes fatias de consumidores: os early-adopters, os desconfiados e os retardatários.

A DM9 fez uma campanha sobre perfis digigráficos baseado nessa teoria. Ela parece fazer todo sentido porque essa teoria da adoção já está em voga desde 1942!

O problema dessa teoria é que ela leva a crer que qualquer tecnologia terá que passar necessariamente por todas as etapas, naquela ordem, o que nem sempre é verdade. Ela também dá a impressão errônea de que a maior lucratividade acontece quando se atinge a maioria dos usuários. Sua crença induz a estratégias medíocres de nivelamento.

Existem empresas de tecnologia que atingem seus picos de lucratividade na etapa de early-adopters (Apple) ou de retardatários (Microsoft), porém, a maioria das empresas de tecnologia trabalha com nichos específicos que não seguem esse modelo.

Chris Anderson demonstrou isso muito bem no livro A Cauda Longa.

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O modelo da difusão propõe que a evolução de uma tecnologia acontece da direita para a esquerda, dos mercados de nicho (early adopters) para os mercados de massa (maioria). Os estudos de cauda longa indicam que o contrário acontece com mais frequência: um produto de massa que se torna customizado através de segmentos e nichos cada vez menores. A cauda longa está esticando mais e mais, daí a sua relevância.

Uma coisa que nem o modelo da Cauda Longa nem o de Adoção explicam é como as inovações tecnológicas criam novos mercados e destroem os velhos. É o pulo do gato pra fora dos gráficos.

Eu venho elaborando um modelo de evolução tecnológica baseado nas leis da dialética de Engels (fundamento do Comunismo) e na prática da competividade (fundamento do Capitalismo) que ao invés de um gráfico linear, é de fato um ciclo.

Evolução do Mercado de Tecnologia

Num novo mercado não há competição. A empresa descobre uma nova tecnologia que tem valor de uso e, como está sozinha, pode estabelecer qualquer valor de troca. O produto inicial é de baixa qualidade e custa muito caro, mas faz algo que nenhum outro produto faz.

Você sabia que o primeiro smartphone foi lançado pela IBM em 1992? Além de ligar, o Simon podia enviar email, organizar sua agenda, escrever notas, etc. Vendeu apenas 10.000 unidades.

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Enquanto a IBM buscava desesperadamente aumentar a percepção de valor de uso (a necessidade de ter), outras empresas (Nokia, Palm, HP) criavam produtos que faziam as mesmas coisas por um custo muito menor, ou seja, diminuiam o valor de troca.

Esse é o período da competição pela quantidade, em que a prioridade é reduzir os custos de produção e aumentar a capacidade das funcionalidades na esperança de desbancar os produtos concorrentes com o argumento "mais por menos". A inovação segue os princípios da economia de escala e o seu resultado é o commodity: o valor de troca acaba se tornando menor que o valor de uso.

Segundo a dialética, isso é uma contradição: uma coisa que contém dentro de si a sua potencial negação, o seu contrário. O produto que é colocado no mercado para ser o mais rápido e funcional da sua categoria, acaba tornando-se exatamente o contrário num curto espaço de tempo devido ao processo de comoditização que o gerou em primeira instância.

A crítica superficial chama isso de obsolescência programada e culpa as empresas de tecnologia pelo lixo eletrônico, mas a verdade é que a contradição é inerente ao sistema capitalista e as empresas pouco podem fazer para evitá-la. Sua sobrevivência no mercado depende deste mecanismo.

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Quando o valor de troca diminui, o trabalho humano perde seu valor e as pessoas são tratadas como máquinas. Não há satisfação nem criatividade no trabalho. Chega um ponto que a empresa não consegue mais arroxar a produção e sua capacidade de inovação quantitativa chega ao limite. Muitas empresas quebram neste ponto. O mercado fica saturado e os consumidores reclamam da mesmice. As empresas que sobrevivem a esse período são aquelas que tem gordura suficiente para esperar o surgimento de um novo patamar de competividade.

A segunda lei da dialética (minha favorita) diz que a mudança quantitativa acumula até um certo ponto em que a mudança qualitativa é inevitável. A água aumenta de temperatura até que, em 100 graus, se transforma em vapor, mudando sua propriedades físicas (qualidade).

Os fabricantes de smartphone não sabiam mais o que inventar até que a Apple lançou o iPhone em 2007. A inovação qualitativa não foi a utilização de uma tela sensitiva ao toque. Como vocês podem ver na foto do IBM Simon, o primeiro smartphone já era touch! Conforme previ no seu lançamento o iPhone inaugurou um novo paradigma de interfaces. A propaganda era clara: o que o iPhone tinha de diferente não era o peso, finura ou mesmo funcionalidades, mas a experiência de uso.

O iPhone não foi feito para ligar, mandar email, organizar a agenda, como eram os smartphones anteriores. O iPhone foi feito para ser um mediador de interações sociais. A forma como ele gentilmente avisa que você está recebendo uma segunda ligação demonstra o respeito à essas interações.

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A possibilidade de poder acessar redes sociais como o Twitter e Facebook de qualquer lugar foi um dos grandes motivadores para a compra do primeiro smartphone. As possibilidades de interação social são representadas na metonímia do ícone: sua aparência despojada representa a expectativa de divertir-se com os amigos, uma promessa de experiência de uso.

A inovação qualitativa é o que permite que o capitalismo se reinventar com as crises, que nada mais são do que pura estagnação. A inovação qualitativa cria um novo patamar de competividade em que o o valor de uso é o diferencial. É a sobrevida do commodity, que renasce como premium. A dialética chama isso de negação da negação, conforme expliquei no meu artigo sobre uma metodologia de design baseada nos princípios da dialética:

A lei da negação da negação coloca que uma coisa nega a si mesma num primeiro momento para depois reaparecer noutro momento sob uma forma mais evoluída. Esta lei se intercruza com as outras duas. Na história do conhecimento humano, uma idéia pode ser refutada (negação) e esquecida, mas após algum tempo, a idéia é recuperada sob uma diferente perspectiva, negando sua refutação anterior (negação da negação). Após muitas sequências de negações, a idéia poderia já não ser mais a mesma (mudança qualitativa). Como a mudança é inevitável, pode-se dizer que todas as coisas guardam dentro si a sua própria negação em potencial (interpenetração dos contrários).

Essa lei também explica como surge um novo mercado. Chega um momento em que a competição pela qualidade acaba caindo no benchmarking de usabilidade e consequente guerra de patentes. Aí então alguém recupera uma ideia abandonada lá atrás (tablet), considerada inviável, e transforma num produto que funciona (iPad). Essa retroalimentação pode ser consciente ou não, mas vai estar sempre servindo a intenções coletivas.

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E qual será o novo produto que irá criar mercados competitivos depois dos smartphones e das tablets?

William Gibson certa vez escreveu que "o futuro já chegou, só não está bem distribuído", o que nos faz pensar que a tecnologia já estaria aí, só não estaria bem implementada. Essa frase combina bem com o modelo linear de Adoção Tecnológica. Assim como a promessa de distribuição de riqueza, a promessa de distribuição de tecnologia nunca se realiza completamente. Os retardatários não são porque querem, mas porque existe uma condição sócio-econômica que está demorando para ser transformada. A dialética concorda que o princípio da inovação já se encontra por aí, porém, ele precisa ser transformado de potencial em efetivo.

Nesse modelo dialético de evolução da tecnologia, o Design de Interação ganha relevância, com suas pesquisas etnográficas e tecnológicas que buscam identificar e projetar novos usos, o diferencial que é capaz de criar novos mercados e revitalizar os existentes.

Fred van Amstel ([email protected]), 06.11.2012

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