
Nas últimas semanas, uma série de eventos está me fazendo ver meu trabalho de uma forma diferente, tanto na prática quanto na teoria. Primeiro, Donald Norman escreveu que o mercado tem focado demais em satisfazer necessidades de usuários e menos em satisfazer necessidades das atividades realizadas por esse usuários. Isso tem resultado em interfaces "magníficas no nível de telas estáticas e individuais, mas incapazes de suportar os requerimentos seqüenciais das tarefas e atividades subjacentes”. Assim que terminei de ler o artigo, mandei a seguinte pergunta pra ele:
Até ontem eu pensava que nós não poderíamos nunca fazer design de interação porque nós não temos controle sobre a interação real que os usuários vão ter com o produto que nós projetamos. Eu pensava que poderíamos fazer apenas o design da interface que vai suportar as interações, mas não projetá-las. Hoje eu li seu artigo sobre Design Centrado na Atividade e ela sugere que eu estava errado. Podemos projetar atividades através dos nossos produtos ou não?
Ao que ele prontamente respondeu:
Acredito que nós podemos projetar tanto a interatividade real quanto projetar para suportar a interação que as pessoas já estão fazendo. E, é claro, como você sugere, as pessoas irão usar nossos aparelhos para fazer tarefas de forma que nós não havíamos pensado.
Agora, por um lado nós não podemos fazer o "design" das atividades ou emoções nos aparelhos. As atividades são feitas por pessoas, assim como as emoções são exibidas pelas pessoas, mas nós podemos projetar de forma que o aparelho estimule certas emoções, viabilizem e aperfeiçoem atividades (ou dificultem).
Exemplo: as tarefas envolvidas na atividade de ler email (que inclui deletar, ler, armazenar, imprimir, responder, copiar e colar conteúdo de emails para emails, etc) são muito bem conhecidas. Portanto, não há razão porque não possamos projetar para suportar essas atividades.
Os jogos de computador fazem um excelente trabalho de design para atividades. Note que games não tem mensagens de erro, nem tampouco eles impedem o divertimento contínuo, fluído.
Na época, não entendi muito bem o que o guru havia me falado, mas fiquei pensativo. Se é verdade o que ele diz, então quando projetamos um produto, projetamos mais do que o produto, projetamos a forma como ele é usado por cada usuário e, mais ainda, como ele se insere na dinâmica social do grupo de usuários e dos não-usuários! Isso é uma responsabilidade e tanto!
Imagine o impacto social que causou o orkut no Brasil, país onde tem mais de 8 milhões de usuários. Pessoas que estavam geograficamente dispersas puderam estar mais próximas umas das outras, pessoas com interesses similares puderam se conhecer, encontros, namoros e até sequestros foram arranjados pelo orkut. Para vocês entenderem como a interface do sistema foi crucial para que isso acontecesse, procurem a diferença no design das seguintes telas no orkut e sua cópia brasileira, o Gazzag, e tente imaginar seu impacto social:
O Gazzag incentiva que o usuário seja um pouco mais criterioso ao disponibilizar dados pessoais no sistema, que podem ser usados para prejudicar o usuário. Ao receber o convite de um amigo, ele exibe um aviso alertando o usuário para conferir se a pessoa é realmente amiga. Acho até que esse aviso deveria demonstrar melhor os problemas que podem acontecer se uma pessoa maliciosa é aceita como amiga. Porém, uma vez lido pelo usuário, o alerta não deveria aparecer mais, como acontece atualmente.
Tanto os ícones do Gazzag quanto os do orkut para indicar restrições de acesso às informações do perfil me parecem inadequados. Não é uma questão de visualização ou de acesso, como tentam transmitir o desenho do olho no Gazzag e o desenho da chave no orkut, mas sim uma questão de segurança. O desenho do cadeado me parece melhor, porém, é essencial ter uma legenda alertando para os perigos que o usuário corre.
Ouvi dizer que uma médica havia sido sequestrada com o auxílio do orkut. Os sequestradores utilizaram a rede como fonte de informações para planejar o sequestro. Se é verdade ou não, isso não importa. O que importa é que com os dados que as pessoas deixam nessas redes, especialmente aqueles que fazem menção à objetos de valor, locais e horários específicos podem ser usados por pessoas mal-intencionadas.
Mas não é só bandido que pode usar as redes sociais para prejudicar usuários. Ex-namorados chicletes podem constranger bastante uma mulher utilizando a rede. No orkut, ela pode ativar a funcionalidade "ignorar usuário" (que ignora apenas as mensagens enviadas pelo usuário), mas levando em conta a reação natural de frustração por um relacionamento humano que não deu certo, o ideal mesmo seria algo como "esquecer que o usuário existe", o que eliminaria o amigo da lista. No Gazzag é possível "excluir" o amigo (assim como se exclui um mero arquivo no seu computador...), mas essa opção não está na mesma tela onde você adiciona usuário, ou seja, está enterrada.
Com esses exemplos dá pra perceber claramente como o design interfere na forma como as pessoas interagem entre si e como a forma como elas interagem entre si deveria interferir no design, mas não é o que sempre acontece, pois poucos designers estão conscientes da interação mútua entre tecnologia e sociedade.
Eu mesmo só pude compreender melhor isso depois que comecei a escrever meu pré-projeto de pesquisa para a seleção do Mestrado em Tecnologia da UTFPR, onde há uma linha de pesquisa chamada Tecnologia e Interação. Essa interação "remete às implicações da tecnologia na inter-mediação de atividades e valores humanos", ou seja, exatamente o que o Donald Norman havia dito que era o mais importante.
Felipe Memória argumenta no seu livro Design para a Internet que a interação entre pessoas é até mais importante do que a usabilidade. Para ele, o segredo das redes sociais é que a competição ou comparação entre você e as outras pessoas leva ao estabelecimento de metas e a felicidade é atingida quando se alcança essas metas.
Eu particularmente vejo redes sociais como um game, onde o que está em jogo é o auto-conhecimento. Você pode construir seu alter-ego e vê-lo crescer pouco-a-pouco, seja em número de amigos, figurinhas de comunidades, fãs, posts, coraçõezinhos, gelinhos e etc. É como num RPG, onde você pode escolher todas as características do seu personagem e mostrar aos outros e dizer: "olha que legal quem eu sou e os pontos que ganhei". Enquanto você desenvolve seu personagem e observa a reação das outras pessoas com ele, você conhece melhor a si mesmo.
As redes sociais não são assim por acaso. Seus criadores, em algum momento, pensaram como as pessoas iriam interagir através de seus sistemas e projetaram a interface de acordo com o que gostariam de estimular e desestimular na sociedade de usuários. Porém, como citado nos exemplos acima, o design de interação das redes sociais ainda é um tanto quanto irresponsável. Provavelmente eles ainda não fizeram pesquisas para estudar como as pessoas utilizam esses produtos em seu dia-a-dia.
Aliás, essa é a questão chave do Design de Interação: como o produto vai interferir na vida da pessoa? Nessa pergunta, estão subentendidos aspectos de perfomance, estética, satisfação subjetiva, realização pessoal, interação social e muitos outros.
Hoje tive uma conversa com Leandro Vieira que ilustra bem como é preciso pensar antes de lançar um no seu impacto social. Espero que não incomode o estilo "advogado do diabo".
leandro: cara, queria te apresentar um novo projeto que desenvolvi
  
  fred: manda   
  leandro: http://www.tutoriaisindicados.com.br/ 
  leandro: é um sistema colaborativo, indicações de tutoriais e bookmarks on-line 
  fred: interessante, mas qual a vantagem dele sobre o delicious e similares?   
  leandro: bem, ele abrange tipo o delicious e um site de tutoriais   
  leandro: quanto ao sites de tutoriais, ele mais vantajoso pelo seguinte:   
  leandro: os tutoriais inseridos, são provenientes de indicações 
  leandro: o que de uma certa forma, da uma moral a mais para tuto, como temos diversos é não sabemos se ele é bom ou não, não podemos ficar perdendo tempo lendo algo não relevante 
  leandro: RSS para todas as seções do site, sendo notificado dos tutoriais da categoria interessada 
  leandro: RSS da Home   
  leandro: RSS dos favoritos   
  leandro: RSS dos favoritos dos indicadores   
  leandro: RSS da busca, assim vocÊ sempre fica notificado dos tutoriais referente ao termo buscado 
  fred: isso tb tem no delicious   
  leandro: Agora quanto ao delicious   
  fred: o que não tem é essa autoridade da fonte 
  fred: isso você poderia priorizar 
  leandro: como assim?   
  fred: dar algum jeito de dar destaque para um grupo seleto de pessoas que indicam os links e que geram confiança e identificação para com o público, assim como os linkblogs que tem por aí  
  fred: isso o delicious não prioriza 
  leandro: hummm, é uma idéia legal, mas a idéia inicial é que todos tenham a mesma posição dentro do site 
  leandro: também criei um sistema ao dele, de um botão nos bookmarks, para facilitar as indicações 
  leandro: quanto a confiança, imagine só... 
  leandro: eu particularmente gosto das suas indicações, que faz no seu site 
  leandro: se você for um Indicador de Tutoriais neste site, eu poderia ter o RSS do seu bookmarks on-line 
  fred: mas o deliicous já faz isso por mim e pelos meus leitores 
  leandro: sim, é uma ideía semelhante 
  fred: o q vai me fazer mudar para seu sistema e deixar o delicious, que já está estabelecido? 
  leandro: este ainda é um projeto em versão BETA, pois quero modelá-lo com as sugestões que estão chegando a todo momento. O delicious é forte e tem um respeito grande, coloquei este projeto no ar ontem, e estou o melhorando a cada momento 
  fred: estar em versão beta não tem nada a ver com a utilidade do sistema. o que estou questionando é a essência do software, isso não precisa nem de codificação para definir 
  fred: estou tentando te ajudar a ver um aspecto não-tecnológico do produto que talvez vc não tenha pensado ainda 
  leandro: sim claro, ainda não pensei bem realmente sobre este assunto. 
  leandro: e tenho convicção de que é muito importante. 
  fred: planejamento é tudo 
  fred: vc não pode colocar o carro na frente dos bois 
  leandro: com certeza, eu o fiz, mas tecnológico 
  fred: se seu objetivo era demonstrar sua capacidade técnica, vc conseguiu, o sistema funciona e a interface é usável 
  fred: mas será que ele é capaz de mudar a minha vida? 
  fred: de entrar na minha rotina   
  fred: e ser tão íntimo quanto um gerenciador de bookmarks? 
  leandro: veja, pensei comigo.   
  leandro: imagine você acordando demanhã  
  leandro: e entrando ao site   
  leandro: de cara verá várias indicações de tutoriais 
  leandro: então, se algo lhe interessar, você o marca para a sua lista de leitura 
  leandro: definindo assim, o que gostaria de ler durante o dia   
  leandro: se gostar do tuto, poderá colocá-lo em seu bookmarks 
  leandro: o gerenciamento do bookmarks, ainda não está "filé", como eu disse quero obter sugestões, afim de fazer algo que todos desejam 
  fred: nem todas as pessoas lêem artigos dessa forma a la carte 
  fred: eu leio da seguinte forma   
  leandro: hã  
  fred: enquanto estou esperando um processamento do computador demorado, ou estou aproveitando os últimos 5 min antes do almoço, eu abro o bloglines e procuro ler posts que preencham esse tempo 
  fred: não tenho o costume de abrir o bloglines 'só para ler'. essa é mais uma atividade secundária, algo como pegar o jornal para matar o tempo 
  fred: não é algo que eu gostaria de pensar tanto quando sento na mesa de um restaurante 
  fred: e tenho que escolher o prato no menu   
  fred: mas ainda assim, quero que os posts sejam todos relevantes pra mim, apetitosos   
  fred: cliente preguiçoso e ainda exigente! 
  leandro: heheh claro, por isso estou criando RSS para tudo, pois muitos gostam de ler artigos/tutoriais através dele, em seus sitemas preferidos 
  fred: isso é ótimo, mas o que quero dizer é que se o sistema puder me ajudar a dar artigos de alta relevância para mim com o mínimo de esforço, então ele terá sucesso 
  fred: no restaurante, quando estou com preguiça de olhar o menu, pergunto ao garçom o que tem de bom 
  fred: e o garçom ou diz as especialidades da casa ou pode me fazer algumas perguntas sobre minhas preferências 
  leandro: vejo duas idéias nessa história... 
  leandro: uma:   
  leandro: a criação de RSS totalmente configurado, ou seja, você informa como ele deve ser, escolhendo as opções de filtragem e tudo 
  leandro: e outra seria uma busca avançada, assim você escolheria dentro do menu 
  leandro: agora eu teria que oferecer-lhe também 
  leandro: algumas sugestões 
  leandro: e tive uma idéia 
  leandro: após o login, eu poderia personalizar por exemplo a home, com os tutoriais relevantes a cada usuário 
  fred: já é um bom começo!!!! 
  fred: vc pegou!   
  leandro: hehehe   
  leandro: eu poderia criar um form, para o usuário preencher apenas uma vez, nele poderá conter as informações que preciso 
  leandro: para fazer as filtragens   
  fred: lembre-se que sou preguiçoso 
  leandro: realmente   
  fred: se por exemplo, no seu sistema tivesse um cara famoso como o Felipe Memória postando links, provavelmente eu veria tudo que ele colocaria 
  leandro: então, através das indicações que o cara "dá"  
  fred: ele é um "garçom" famoso 
  leandro: com certeza   
  fred: e a sua credibilidade não depende de programação 
  fred: ou seja, é mais fácil você montar um sistema que faça indicações baseados na combinação de perfis (eu me interesso pelos mesmos assuntos que o Felipe) do que numa personalização automática 
  leandro: com certeza, os indicadores é tudo 
  fred: era isso que estava dizendo no começo, dê destaque para eles 
  fred: pense o que seria o www.eyepunch.com sem a autoridade dos postadores   
  leandro: vou analisá-lo depois, não o conhecia 
  leandro: veja só, se pege o X da questão 
  leandro: ao se cadastrar no site, você informaria seus assuntos de interesse 
  leandro: e através deles eu poderia fazer algo relevante 
  leandro: isto?   
  fred: se o sistema conseguir me convencer antes de ser usado de que preenhcer o cadastro vale à pena, eu faria isso, do contrário, pode esquecr 
  fred: acho difícil demais vc conseguir fazer isso pelo próprio sistema 
  fred: pq ele não vai poder me dar indicações antes de preencher o cadastro 
  leandro: tive uma idéia 
  leandro: olhe só  
  leandro: ao entrar no site, você provavelmente navegará pelas categorias, certo? 
  fred: não necessariamente, mas eu fiz isso quando vc me mostrou 
  leandro: perfeito, então... 
  leandro: já na segunda visualização da Home, eu poderia exibir os tutos referente a essa categoria, isto através de cookies 
  leandro: assim, seria automático 
  leandro: além das categorias, eu pesquisaria também nos títulos, na url, e na descrição 
  fred: a amazon faz essa personalização, mas ainda assim não é de todo preciso e dá um trabalho imenso 
  fred: tente solucionar o problema da forma mais simples possível, com o mínimo de esforço tecnológico 
  fred: orkut não é um primor em tecnologia, mas faz um sucesso estrondoso 
  leandro: mas isto, não daria muito trabalho 
  leandro: ou melhor é muito simples 
  leandro: já que será só a home 
  leandro: pq, tem assuntos que eu não me interesso 
  leandro: e entrar no site e ver somente sobre aquilo que não me interesso é foda, já que terá indicações de vários os tipos 
  leandro: e esses cookies serão alterados a todo o momento 
  leandro: se eles tiverem desabilitados, verão a página normal 
  fred: sugiro vc dar uma pesquisada no assunto antes de fazer, tem muito estudo sobre personalização e suas limitações 
  leandro: hummm, vou googlar sobre isto
Atualização: A lista já foi criada e se chama Desinterac.
Fred van Amstel (fred@usabilidoido.com.br), 28.11.2005
Veja os coment?rios neste endere?o:
http://www.usabilidoido.com.br/design_de_interacao_social.html