A prática do design e a coisa pública

Ontem estava fazendo minha avaliação dos concorrentes ao Concurso Peixe Grande e fiquei refletindo por que o texto ainda é tão negligenciado nesse tipo de design, mesmo já tendo sido mostrado o quanto ele é importante para a usabilidade. Embora hajam algumas exceções, a maior parte dos concorrentes no concurso negligenciou esse aspecto.

Essa é, na verdade, uma questão que me debruço há muito tempo. Na faculdade de jornalismo, a gente aprende que a forma em que o conteúdo é apresentado modifica o conteúdo. Um exemplo explícito, super atual, é a capa do Extra de 24 de setembro de 2010, que dava ao leitor a escolha de dois layouts: um para quem achava que a imprensa deve fiscalizar o governo e a outra para quem acha que a imprensa deve apoiar o governo.

Capa Lula é Bonito do Extra

O design de capas de jornais e de revistas talvez seja uma exceção entre as especializações de design que se preocupam com conteúdo. De um modo geral, não se espera que designers tenham algo a dizer, acredito eu, porque faz tempo que eles não dizem alguma coisa.

É claro que designers podem falar muitas coisas sobre a sintaxe da logo da Copa do Mundo, mas o quanto essas coisas são realmente relevantes para o público? E o quanto os designers se preocupam em falar das coisas públicas?

A negligência do texto me levou a uma reflexão profunda, por intermédio de uma conversa super interessante no Twitter com o Augusto Rückert, do Coletivo Míriade. Ele lembra que nas faculdades de design se estudam textos que tratam das coisas públicas, de designers como Gui Bonsiepe, Tomás Maldonado e Homem de Melo. Minha experiência de aluno e professor em cursos de design me diz que embora existam estas leituras (obrigatórias), a geração atual de estudantes de design não parece muito interessada.

Embora o termo design esteja no vocabulário comum associado ao futuro da sociedade, o designer não é visto como alguém que tem algo a dizer sobre isso. O papel reservado ao designer é de dar forma a um futuro projetado por terceiros, sejam eles empresários, políticos, ou consumidores.

Homem aranha contratando um web designer

Os que estão no mercado já se acostumaram com isso, porém, por incrível que pareça os novatos não querem mudar. Pelo contrário, os estudantes querem mais é saber como se encaixar no esquema. A Pauta Nacional Unificada dos estudantes de design de 2013, em pleno reflorescimento da esfera pública brasileira, aborda o futuro como sendo algo relevante apenas para a carreira do designer.

"O que você tem feito para planejar o seu futuro? O que esperar do mercado de trabalho? E o futuro da profissão?"

Em 2011, o Vamoss tentou colocar o Design Livre nessa pauta, mas acabou não acontecendo. Dei uma palestra no encontro do CoNE falando sobre algumas questões públicas que o design poderia tratar, mas a primeira pergunta que me foi lançada é: "muito interessante, mas como posso ganhar dinheiro com isso?". Eu expliquei como funcionava o modelo de retorno por consultoria e customização usado no software livre, porém, não pude esconder minha surpresa: quando é que dinheiro se tornou o principal retorno da prática de design?

Designer que não trabalha de graça

Será que é isso mesmo, que o design e o designer devem ser apolíticos? Eu não acredito nessa possibilidade. Como já coloquei outrora, todo design e todo designer é político, mesmo que seja só na esfera do cotidiano. Agora, estou colocando a possibilidade do designer ter algo a dizer também na política oficial.

Uma forma prática de fazer isso é a ficção de design, que apresenta um produto como parte de uma história sobre um futuro próximo. Ao contrário da ficção científica, o cenário da história é muito parecido com o atual, justamente com o objetivo de evidenciar mudanças que podem ser encorajadas ou evitadas.

Veja, por exemplo, o curta Transparent Machines, do designer gráfico Mike Winkelmann, protagonizado por uma máquina que oferece serviços online em troca da comercialização de dados privados.

Transparent Machines? from beeple on Vimeo.

Além de tocar numa questão pública da mais alta relevância para o momento (vigilância na Internet), o projeto em si é também público, com os arquivos fontes disponíveis para "whatever the fuck you want", como diz o autor. O autor não exige nem mesmo créditos nas obras derivadas.

Esta ficção reproduz a ideologia do futuro libertária que eu o Gonzatto identificamos em nossas pesquisas no Faber-Ludens. A pesquisa continua firme e estamos montando um futuro museu de visões de futuro, o Futurologias, que conta com mais de 50 peças.

Se design tem algum conteúdo (e não somente forma), este conteúdo deve ser também conscientemente projetado. E, se esse conteúdo é de interesse público, então ele deve ser projetado em público e, se possível, com a participação do público. Dessa forma (forma como processo, não resultado), o design e os designers terão muito a dizer sobre a coisa pública.

Fred van Amstel ([email protected]), 23.11.2013

Veja os coment?rios neste endere?o:
http://www.usabilidoido.com.br/a_pratica_do_design_e_a_coisa_publica.html