O valor da pesquisa

Nos últimos meses, o seguinte cenário tem se repetido:

"Uma empresa me solicita um orçamento de consultoria em usabilidade acreditando que poderei resolver os problemas de seu website. Ao entrar no website, tenho a impressão de que a usabilidade não é tão ruim assim e que o buraco é mais embaixo: trata-se de um problema de utilidade ou até mesmo de modelo de negócio. Sou sincero com o cliente e expresso minhas impressões, deixando claro que posso prestar uma Avaliação de Especialista, mas que provavelmente só isso não vai resolver o problema e que é preciso fazer pesquisa para descobrir qual é o verdadeiro problema. A grande maioria dos clientes foge depois dessa resposta, mas os que ficam interessados, juntos realizamos bons trabalhos."

Acho que os clientes não gostam da idéia da pesquisa porque acreditam que sabem o suficiente sobre a concorrência e sobre seus consumidores. Antes de iniciar qualquer negócio, sempre são feitas pesquisas, mesmo que informalmente, para verificar a adequação da proposta. Entretanto, tais informações são muitas vezes incompletas e desatualizam rapidamente. Os clientes acham que pesquisa custa caro demais, mas isso não é verdade.

Quanto vale descobrir que o produto que você está bolando há meses já foi lançado por um grande player do mercado e que você não terá nenhuma chance se não tiver um diferencial?

Quanto vale descobrir que seu público-alvo não está nem um pouco interessado no produto que você quer vender a ele?

Quanto vale descobrir que devido à cultura organizacional, aquela ferramenta de gestão de fluxo de trabalho é inflexível demais e será rejeitada pelos funcionários?

Quanto vale descobrir que o leitor concorda que é melhor dispensar o trabalho do que fazer um trabalho inútil?

O único requisito para se fazer uma pesquisa é a humildade para reconhecer que não se sabe o resultado de ante-mão. Eu tenho a hipótese de que meus leitores não vão concordar comigo na pergunta acima, mas caso concordem ou simplesmente não respondam, ficarei muito feliz de saber que eu estava construindo um perfil errôneo de meus leitores.

Tal resultado me obrigará a rever meus conceitos. O legal é que a mudança em apenas uma das características (aceitar ou não fazer trabalhos inúteis) pode gerar uma série de outras revisões no conceito (ex: os leitores não fazem qualquer coisa por dinheiro) ou levantar outras questões a serem feitas (ex: será que os leitores só fazem o que gostam?). Pesquisa gera conhecimento e, como sempre, a curiosidade que alimenta seu crescimento contínuo.

O problema é que muitas empresas e profissionais não estão preparados para encontrar o inesperado. Os homens temem o que desconhecem, mas os que enfrentam o desconhecido se tornam líderes, pois descobrem antes de todos as novas verdades que substituirão as velhas. Verdade nada mais é do que um discurso convincente para um determinado contexto e, como o contexto está em constante mudança, os discursos que não se atualizam se tornam obsoletos. A pesquisa é um meio de acelerar esse processo de atualização.

Como o status-quo das empresas e dos profissionais se baseia em certas verdades, pesquisas que ameacem a atualização destas verdades são consideradas subversivas.

É por esse motivo que programadores, em geral, são avessos a testes de usabilidade e outros tipos de pesquisas com usuários. Em resposta à discussão sobre a culpa dos problemas de interação entre usuários e sistemas, Mike Maciel comentou o seguinte:

Programadores acabam sendo vistos como os vilões da história porque muitos ainda não conhecem o quão minucioso é o desenvolvimento de um software. Embora o programador tenha uma parcela de culpa pelos problemas no uso de um determinado software, quase sempre é o usuário que assumo grande parte da culpa. No meio técnico, costuma-se usar para este tipo de problema o termo "BIOS" (Baita Ingua Operando o Sistema).

Note como há um distanciamento e superioridade do trabalho do programador sobre o trabalho do usuário. Na opinião de Maciel, o usuário primeiro tem que aprender direitinho como funciona o sistema para só depois poder usá-lo, ou seja, o usuário precisa aprender a usar o sistema do jeito que o programador quer que ele use. O uso desviante é visto como falha a ser prevenida. Visto dessa forma não parece uma ditadura?

Nem todos os programadores pensam desse mesmo jeito e nem todos precisam pensar assim para sempre. Diante de resultados de pesquisa, eles podem mudar de idéia. Como designer de interação, minha missão é mostrar a quem interessar possa que a realidade é mais complexa do que se imagina.

Mas que fique claro que quando estou falando de pesquisa não estou restringindo a um tipo específico de pesquisa. A leitura e reflexão desse texto pode fazer parte de uma pesquisa. A conversa com amigos também. Até mesmo deitar no chão e observar as nuvens no céu pode ser uma forma de pesquisa. O importante é que a pesquisa siga um método para evitar viajar na maionese.

Eis alguns métodos de pesquisa que costumo empregar em meus trabalho para você continuar sua pesquisa sobre pesquisa:

Fred van Amstel ([email protected]), 05.07.2006

Veja os coment?rios neste endere?o:
http://www.usabilidoido.com.br/o_valor_da_pesquisa.html