Simplicidade não é senso-comum

A Philips, grande fabricante de aparelhos eletrônicos, reposicionou sua marca e quer associá-la à facilidade de uso com o lema "bom senso e simplicidade". No site institucional, afirmam que "nossa marca hoje reflete nossa crença de que simplicidade pode ser um objetivo da tecnologia." Eles tem até uma equipe de consultores só para garantir a simplicidade de seus produtos, que conta com a participação do conhecido professor John Maeda, do MIT.

Mas por quê ter um departamento só para tratar do assunto se todo mundo sabe o que é simples e o que não é? Muito simples! Segundo o sociólogo Edgar Morin, vivemos uma época em que o aumento da complexidade é constante em todos os sistemas da sociedade. Os produtos estão ficando cada vez mais complexos, mais cheios de funcionalidade. Torná-los simples não é acabar com a complexidade, mas sim domá-la para que o usuário final possa ter uma boa experiência. Isso significa que podemos ter produtos complexos e simples, ao mesmo tempo.

Paradoxal? Claro! Segundo o historiador Hobsbawm, o século XX foi a "era dos extremos", dos paradoxos. O reposicionamento da Philips faz parte de um movimento natural da sociedade que começa a reconciliar os extremos. O objetivo da Philips e das demais empresas que investem em design de tecnologia deve ser proporcionar experiências satisfatórias com unidade.

As empresas que não tomarem esse cuidado perderão clientes. Os consumidores, ou melhor, pessoas não compram um produto, compram o benefício que ele proporciona. Um dos benefícios do produto é a própria experiência de usá-lo ou fruí-lo (no caso de algo com função artística). Essa experiência não é algo que possa ser deixada ao acaso da sorte, é preciso prevê-la e planejá-la. Não é possível controlar a experiência, porque afinal, ela é DO usuário, mas podemos controlar aspectos do design do produto que contribuirão para uma boa experiência.

Aliás, o profissional que vai cuidar disso também precisa ter uma boa experiência, mas no sentido de saber muito bem o que está fazendo. John S. Rhodes conta nesse interessante podcast como a aviação reconheceu cedo que era preciso trazer profissionais de outras áreas para a engenharia, antes que mais aviões caíssem por problemas de usabilidade nos controles de tráfego aéreo. Psicólogos e ergonomistas ajudaram os engenheiros a fazerem interfaces mais simples e muitas vidas (e dinheiro) foram salvos por isso.

Hoje temos profissionais de diversas áreas contribuindo (e disputando) para conter a complexidade. Todas as contribuições são válidas. O que não vale é achar que só porque tiveram uma formação ou experiência similar, vão conseguir lidar com tamanho desafio. Para dominar a complexidade, é preciso antes de tudo assumir sua própria complexidade. Do contrário, confunde-se o simples com o simplório e o complexo com o complicado. Se você não tem muita certeza da diferença, não é num post de blog que você vai compreender todos os liames da questão. Melhor ler livros, refletir e trocar experiências com outros profissionais.

Fred van Amstel ([email protected]), 12.07.2005

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