Na Web é melhor usabilidade ou estética?

Donald Norman, sócio do Jakob Nielsen e um dos maiores gurus do design, respondeu uma pergunta pública que fiz a ele. Li muitos artigos de sua autoria e estou finalizando seu livro mais conhecido, The Design of Everyday Things, que trata da usabilidade dos objetos por uma perspectiva da psicologia cognitiva. Fiquei extremamente feliz por ser contemplado por tão sábia e ampla resposta, aprendi muuuuito. Recomendo a todos que façam suas perguntas ao homem.

Minha dúvida surgiu quando tive contato com um estudo que relacionava usabilidade percebida à estética. Concluí que no contexto Web, esta última é mais importante, porém, aproveitei a oportunidade para que o autor do badalado Emotional Design me confirmasse isso. Claro, como um legítimo bom guru, desconfirmou: "não é mais, nem menos importante: tudo depende da ocasião". Ah, ficar em cima do muro é fácil. Fácil nada, note a justificativa do homem.

Pergunta

Websites e aplicações Web são supostamente feitos para serem usados uma ou poucas vezes, então a usabilidade percebida (correlacionada com a estética) seria mais importante do que a usabilidade real (tempo para finalização da tarefa, número de erros encontrados, etc) na Web?

(Não estou dizendo que a usabilidade não é importante, só estou na dúvida se a estética é mais importante para superar a competição brutal da Web e conquistar a atenção do usuário do que a usabilidade real que não é percebida)

Resposta

Essa é de fato uma boa questão, mas uma resposta adequada necessitaria de um livro, não um parágrafo. Se eu tenho que te dar uma respota curta, é o batida e instatisfatório "isso depende". Então, aqui está uma resposta longa, ainda curta demais para tratar das implicações adequadamente.

Questiono a afirmação de que "Websites e Aplicações Web são supostamente feitos para serem usado uma ou poucas vezes". Essa não é a minha experiência, nem eu penso que seria confirmado por dados. Porém, isso não faz diferença para minha resposta.

Primeiro, eu tenho certeza que para a maioria das aplicações do dia-a-dia (produtos, aplicações, websites e aplicações web), a percepção é mais importante do que a realidade. Em ambientes produtivos, como uma linha de montagem e birôs de serviços, a realidade pode predominar, mas para o resto de nós, alguma coisa que gasta mais tempo mas parece ser mais eficiente é superior a algo que é mais rápido, porém percebida diferente.

Segundo, não acredito que as pessoas fazem muita distinção do que é usabilidade, estética, etc. Basicamente, elas tem uma visão holística da experiência e somente decompõe-na quando são forçadas a fazê-lo. O que elas se importam é se conseguiram a resposta ou o resultado que precisavam, se foi tranquilo, se foi agradável. Você faria de novo (voluntariamente, não por obrigação) ?

Frequentemente boas características -- seja usabilidade ou estética -- não são percebidas, em parte porque são tomadas como certas. A percepção humana e o sistema de atenção são ajustados para perceber discrepâncias e problemas, não o que é esperado. Então, nós tendemos a prestar a atenção em coisas que nos distraem, que impedem nossa habilidade para fazer algo, ou no campo da estética, que são desagradáveis. Entretanto, nós notamos especialmente itens atrativos (ou pessoas), mas quase sempre a atenção dispendida pode ser prejudicial para a tarefa. Então, o melhor dos designs é aquele que é o mínimo notado.

O fato de que bom design é muitas vezes passado desapercebido não soa bem para nossa profissão (que no design, significa que pouca atenção será gasta nesses atributos). A boa usabilidade só é notada quando se alguma coisa é tão ruim que melhorias aumenta a satisfação e as vendas. Com a aparência, é parecido: se a nova aparência é suficiente boa para ser lembrada, então ela aumenta as vendas e portanto deve ser repetida. Do contrário, as forças do marketing irão dar mais ênfase no que se pode obter ganho competitivo, que quase sempre é preço e funcionalidades. Em websites, esssa atitude se traduz em baixo custo e profusão de funcionalidades, até o ponto em que elas atrapalhem e alguma atenção tenha que ser dispendida na usabilidade a na aparência. Você pode não gostar dessa resposta, mas é o que precisa aprender para lidar com isso. Isso é diferente com objetos fascinantes (veja minha discussão sobre o design refletivo abaixo), mas os websites raramente caem nessa categoria.

Se a questão é, quanta atenção deve ser empregada na usabilidade, estética, e interações prazeirosas para diferentes classes de produtos, então o raciocínio acima leva a seguinte resposta "isso depende".

Para verdadeiro único uso (por exemplo, para responder a pergunta de "que horas são agora no Rio de Janeiro"), eu suspeito que a facilidade de se conseguir a resposta predomine.

Para usos repetidos, como o meu uso pessoal do my.yahoo para acompanhar as manchetes, o tempo e as cotações da bolsa, a estética importa pouco, a escaneabilidade importa muito e minha habilidade para adaptar a seleção e posicionamento das informações que me interesso predomina. Para o Google, a funcionalizada combinada com a limpeza, elegância da interação prevalece. Para sites de comércio como a Amazon.com ou Netflix.com, a habilidade para procurar por coisas rapidamente, conseguir informação decisiva sobre elas e opiniões de alta qualidade, combinada com a facilidade de compra prevalece. Esses sites não são esteticamente excitantes, mas a estética não distrai (a Amazon, entretanto, na medida em que expande para cobrir todas as coisas vendáveis, está em risco sério de perder suas virtudes).

Para produtos que são vistos em minha casa, seja ou não de uso frequente, a estética muitas vezes predomina.

Agora falando sobre os itens fascinantes, quando o design reflexivo domina. Para a maioria dos itens para serem vistos como roupa, jóias, relógios, celulares e automóveis, a estética e a funcionalidade importam, mas aqui o lado reflexivo do design tem papel crítico: as esolhas desses itens dizem algo sobre a pessoa e então, o fashion, a marca e outras características podem ser mais importantes do que a função ou estética. Usabilidade? Isso pouco importa, desde que esteja pelo menos num nível aceitável. No geral, tenho observado que a usabilidade é sempre secundária ou mesmo terciária nos julgamentos das pessoas sobre os produtos. Desde que seja "bom o bastante", a maioria das pessoas realmente não se importa. Mais ainda, raramente se baseiam nessa dimensão para fazer decisões de compra. A falta de atenção que a indústria presta nessa dimensão é, portanto, bastante justificável.

Uma nota pessoal é relevante aqui: eu sou uma exceção à essa regra, mas somente porque minha pessoa pública é de um expert em usabilidade, então tenho que justificar minhas escolhas -- mas mais uma vez, mesmo que a dimensão seja a usabilidade, o lado reflexivo é ser usável. Agora que contemplei a beleza e o prazer, a amplitude da examinação dos meus objetos expandiu, mas felizmente, agora tenho mais espaço para explorar e curtir objetos, melhor do que só focar nos usáveis.

Estejam intimados a discutir o assunto. A tenção forma X função é a mais importante do design e só quem a domina, chega ao sucesso pleno. A discussão com o Norman é digna de livro, como ele mesmo disse, mas isso não significa que não possamos trocar nossas conclusões rasas com base na experiência prática. Quem sabe bolamos uma réplica para ele?

Fred van Amstel ([email protected]), 05.12.2004

Veja os coment?rios neste endere?o:
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