Vídeo como material para projetar interações

Nem Axure, Balsamiq, Visio ou Sketch. A ferramenta mais popular hoje em dia entre designers que projetam interações é o velho papel. Ao invés de sentar na frente do computador e sair desenhando uma opção de wireframe de interfaces, os designers contemporâneos estão preferindo primeiro rabiscar várias opções no papel para só depois desenhar wireframes. O termo rabiscoframe é frequentemente utilizado para enfatizar que se trata de um processo e não de um mero entregável.

Embora eu também goste muito de trabalhar com papel, o material mais adequado para o projeto de interações, na minha opinião, é o vídeo digital. Vídeos curtos criados com smartphones permitem visualizar a interação se desenrolando ao longo do tempo e do espaço, dois aspectos cruciais para o projeto de interações.

Uma vez que a interação de que falamos não pode ser controlada, resta aos designers projetar possibilidades para a emergência da interação. O lugar e ritmo da interação são possibilidades cruciais para um projeto de interação. Embora o papel permita visualizar estas possibilidades através de desenhos e esquemas gráficos, com o vídeo fica muito mais fácil criar e compreender relações entre tempo e espaço.

Considere o exemplo do Mercado Pago. Uma pessoa vende um produto para uma outra pessoa distante geograficamente. O comprador precisa receber o pagamento antes de enviar pelo correio, porém, o vendedor não quer correr o risco de pagar e não receber. A interação projetada consiste num sistema de mediação de compra e venda que recebe o pagamento e só libera para o vendedor quando o comprador confirma a entrega do produto. 

Muitas pessoas não conseguem compreender a interação apenas por descrição textual por isso, propus no passado utilizar diagramas de sequência para isso.

Diagrama de funcionamento do Mercado Pago

Apesar deste diagrama melhorar a visualização do tempo, ele não melhora a visualização do espaço. Esse sistema de mediação só se torna necessário para compradores que não estão localizados na mesma cidade dos vendedores. Além disso, faltam aspectos importantes, como o medo do comprador de não receber o produto após o pagamento.

O vídeo abaixo permite visualizar a interação do Mercado Pago com mais dados contextuais do que no diagrama.

O propósito deste vídeo não é projetar uma nova interação, mas sim explicar uma interação existente. Não é esse tipo de vídeo que estou comparando com o papel. O vídeo se torna um material de cocriação quando é criado com tecnologias simples, atores amadores, cenários improvisados e objetos do cotidiano. A edição do vídeo deve ser minimizada tanto quanto possível.

Um exemplo disso é o vídeo sobre o projeto Uberbank que fiz com meu colega Rodrigo Gonzatto. Ao invés de desenharmos a interação que estávamos criando para um banco peer-to-peer, resolvemos gravar um vídeo de maneira totalmente improvisada. Embora já tivéssemos discutido o conceito da interação antes, foi na hora de fazer o vídeo que a interação ficou clara. Detalhe importante: apresentamos uma interação inovadora e complexa com o mínimo de recursos. Chamamos esse tipo de vídeo de "dispositivo oculto", pois o objeto que permite a interação não aparece no vídeo. A história mostrada no vídeo deixa implícita a interação.

Um formato similar é o comercial falso, que segue o modelo dos anúncios de produtos bizarros que poderiam ser adquiridos nas décadas de 1990 pelo número 011 14 06. Ao invés de contar uma história de interação, o vídeo tenta vender a interação como uma proposta interessante.

Propaganda Falsa

A maneira mais simples de trabalhar o dispositivo no vídeo é através da técnica de Bodystorming. Uma pessoa representa o dispositivo com seu próprio corpo, por exemplo, utilizando o braço como uma alavanca ou a barriga como uma tela. O ator que faz o papel do dispositivo utiliza a técnica do Mágico de Oz para responder aos inputs das outras pessoas. 

Quando a equipe é menor, podem ser utilizados objetos genéricos para representar o dispositivo em questão, o que na linguagem de produção de vídeo é conhecido como prop. O prop serve como um pivot para a improvisação do ator. Ele realiza a ação como se o dispositivo pudesse ajudá-lo a fazer, embora não ajude. Objetos estranhos funcionam muito bem como props para projetar interações inovadoras, pois as pessoas não ficam presas às propiciações culturalmente estabelecidas para aquele objeto. Um aquecimento interessante para utilizar props em vídeos é a conversa com objetos

Uma coleção de figurino simples com chapéus, máscaras e acessórios de moda podem ser combinadas com props para ajudar atores amadores a ?entrar no personagem?. Na foto abaixo, nossos estudantes estão esboçando uma interação entre um gerente (capacete amarelo) e um operário (máscara de solda). Os props foram criados com massa de modelar a palitos de sorvete.

Figurino prop

Quando não houverem atores, figurino ou props disponíveis, é possível criar vídeos de interação com brinquedos, em especial, brinquedos de montar como o Lego. No exemplo abaixo utilizei meus bonecos de infância para prototipar o jogo que criei para entender o algoritmo do Facebook.

Neste outro exemplo, meus estudantes criaram uma rede social para a cocriação de histórias utilizando bonecos de Lego. Note que enquanto eles estavam gravando o vídeo, a interação ainda não estava clara para eles, por isso as diversas interrupções amadores no filme. A gravação do vídeo em si fez parte do processo de design das interações entre os usuários da rede social. Eu chamo esse tipo de vídeo de cenário lúdico, pois ele aproveita ao máximo a primazia da diversão na prototipação.

Além de ajudar com cenários de interação, vídeos podem ser empregados para detalhar a interação no nível da interface, ou seja, mostrar como de fato o dispositivo media a interação na prática. Utilizando efeitos especiais simples, é possível produzir vídeos que dão vida a conceitos arrojados de interação. O protótipo não funciona de verdade, mas, no vídeo, ele parece funcionar.

Em 2009 quando as telas touch screen ainda não estavam amplamente disponíveis, meus estudantes da Unisul quiseram criar um jogo para uma mesa touchscreen e produziram o seguinte vídeo mostrando o conceito de interação. 

Como eles fizeram isso? Prepararam uma animação com os elementos da interface, treinaram inúmeras vezes os movimentos sincronizados de mão e gravaram um vídeo das duas coisas sobrepostas. A animação foi projetada na mesa à partir de um projetor precariamente afixado acima da mesa. A criatividade do design orientado a gambiarras permitiu que estudantes de Design sem conhecimento de programação pudessem experimentar uma tecnologia de ponta. Eu chamo isso de protótipo fake.

Projetor pendurado

Alguns anos mais tarde, em 2011, nossos estudantes do Faber-Ludens criaram diversos protótipos fakes com o objetivo de prototipar a experiência de um serviço como um todo. O projeto TecnoFood, por exemplo, demonstra diversas interações com tecnologia de ponta dentro de um restaurante.

Quando é necessário caprichar na apresentação do conceito, um recurso fácil de usar mas muito trabalhoso é o stop-motion. Diversas fotos são tiradas da interação com o protótipo e depois elas são reunidas em um vídeo.

Vídeos tornaram-se um material tão comum para designers de interação que passaram a se tornar um produto final ao invés de uma etapa do processo de design. Embora não seja o único formato para ficções projetuais, é atualmente o formato mais utilizado para projetos de interação em histórias fictícias. No vídeo abaixo, nossos estudantes da PUCPR imaginam como seria um dia fatídico na vida de uma pessoa que utiliza um sistema de realidade aumentada em conjunto com pílulas de controle corporal.

Espero que tenha ficado claro com todos estes exemplos que a criação de vídeos é uma abordagem prática para trabalhar com aspectos sociais, afetivos e contextuais em projetos de interação. 

A propósito, no mês que vem irei ministrar junto com meu colega Rodrigo Gonzatto um minicurso sobre este assunto no simpósio IHC em Joinville. O resumo do minicurso com referências acadêmicas e questões avançadas já se encontra online. Interessados podem se inscrever apenas no minicurso sem precisar necessariamente participar do simpósio todo.

Fred van Amstel ([email protected]), 18.09.2017

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