Personas não é técnica de pesquisa com usuários

Recentemente, estou vendo se difundir a prática de criação de Personas em projetos Web, mas o que me chama a atenção é a falta de critério para construí-las. Pessoal está usando Personas somente para parecer que se fez pesquisa com usuários e, assim, sustentar suas definições de projetos.

O método que está sendo aplicado é o seguinte: envia-se um questionário para algumas pessoas que acredita-se fazer parte do público alvo. Este questionário contém perguntas sobre dados factuais como idade, profissão, localização e dados mais subjetivos como interesses, preferências, gostos. Depois, estes dados são transformados (magicamente) em grupos de perfis, as personas, independente de qualquer critério objetivo de interpretação. Como as personas se parecem com pessoas reais, o resultado é razoavelmente crível, então, quando o desenvolvedor associa uma funcionalidade de seu projeto à um determinado perfil, parece uma relação muito lógica. Claro, o perfil foi construído justamente para justificar a funcionalidade...

Adote uma persona. O que me incomoda é que, dessa forma, as Personas tapam o abismo que existe entre desenvolvedores e os usuários e, aí, quando o projeto é lançado, o cliente cai no buraco e o método de Personas é o responsabilizado, perdendo seu crédito. Também acontece muito de outros membros da equipe perceberem a trapaça e não confiarem nas personas, levando ao seu abandono. O Fernando Aquino criou até uma campanha para adoção de personas abandonadas.

O problema acontece por uma falta de compreensão do método Personas. Personas não é uma técnica de coleta de dados, mas sim uma técnica de agrupar e apresentar resultados de pesquisas. Quando são tratadas como fim e não meio, acontece toda essa distorção, pois toda a pesquisa passa a ser enviesada para sustentar os perfis, muitas vezes definidos antes mesmo da própria pesquisa!

Personas que não se baseiam em pesquisas rigorosas podem ser manipuladas para defender pontos de vista. A Persona mais usada para esse intuito é "minha mãe" ou "minha avó". Já ouviram frases do tipo? "Isso aí nem minha mãe conseguiria usar!" Trata-se de um mero artifício retórico para parecer que se está preocupando com o usuário. Na maioria das vezes, a "mãe" ou a "avó" nem faz parte do público-alvo da interface em questão e mesmo quando faz sua capacidade de representar a totalidade do público é exarcebada. Isso é muito usado porque é uma figura familiar, fácil de compreender. Se você fala da sua mãe, eu consigo imaginar melhor como ela vai reagir do que uma figura abstrata como "mulheres entre 45 e 60 anos".

O Alan Cooper, criador do método Personas, dá uma ênfase muito grande para técnicas de observação de comportamento do usuário porque o objetivo dele é usar Personas para design de interação. No Marketing, o método Personas foi apropriado para fazer segmentação de serviços/produtos por dados sócio-demográficos, então eles usam muito questionários, porque são mais eficientes para esse objetivo. Porém, no design de interação esses dados são pouco úteis.

De que adianta saber se o usuário tem entre 30 e 45 anos na hora que você vai definir o fluxo da tarefa? É muito mais interessante saber como essas pessoas agem em situações parecidas. Por isso o Cooper recomenda entrevistas, observações, testes de usabilidade, card-sorting, análise da tarefa, leituras e estudos etnográficos e etc. As Personas entram depois, para resumir tudo aquilo que a gente costuma colocar em extensos relatórios.

No livro About Face, Cooper dá as seguintes etapas para construir Personas

  1. Identifique as variáveis comportamentais (geralmente atividades, atitudes, habilidades, motivações)
  2. Mapeie os entrevistados com as variáveis comportamentais (classificar de acordo com os critérios levantados na etapa 1)
  3. Identifique padrões comportamentais significativos
  4. Sintetize características e objetivos relevantes (ele enfatiza muito esse ponto de descobrir quais são os objetivos do usuário ao usar o produto)
  5. Identifique as variáveis comportamentais (geralmente atividades, atitudes, habilidades, motivações)
  6. Verificar completude e redundância (polir as personas)
  7. Expandir descrições de atributos e comportamentos
  8. Defina tipos de personas (principais, secundárias, suplementares)

Note como em suas orientações o mais cruciais não são os dados que podem ser captados em questionários, mas sim os que precisam ser observados e investigados mais a fundo. Claro, o objetivo do design de interação não é fazer relações semânticas do tipo que é feito pelo marketing ou design gráfico, mas sim relações pragmáticas, em outras palavras, delinear o comportamento humano.

Até que é bom saber que os clientes estão se preocupando cada vez mais com pesquisas, mas é péssimo saber que os desenvolvedores estão correspondendo com falta de rigor. Se levado à sério, pesquisa pode trazer resultados muito mais valiosos do que simplesmente ter a aprovação do cliente sobre o projeto. Costumo ensinar meus alunos que pesquisa é a expansão da consciência para além de seu próprio escopo de trabalho, percebendo como este está ligado a toda uma cadeia de produção da própria realidade social.

Fred van Amstel ([email protected]), 15.09.2008

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