Passado e futuro dos meios de interação

Os pioneiros da área gostam de dizer que design de interação é agnóstico em relação às tecnologias. Eles querem dizer que a área não é orientada a uma tecnologia específica, como por exemplo, o web design, que focaliza na tecnologia WWW. A insistência nesse argumento é o que permitiu a área continuar existindo após mais de 30 anos de transformações tecnológicas.

O foco do design de interação é a interação, não a tecnologia. Por isso eu prefiro chamar a tecnologia de meio para a interação. Pensar em meios de interação ajuda a frisar que a tecnologia não é fim, é meio. O objetivo é promover certos tipos de interação através do meio, portanto, construir o meio não é o fim.

No meu entendimento, meio de interação é diferente de um meio de comunicação, pois permite que as pessoas façam algo juntas e se transformem ao fazê-lo. O resultado de uma interação não é a mera transmissão de mensagens ou um diálogo. É uma transformação dos interagentes.

Meios de interação existem há milênios, porém, os novatos na área de hoje em dia costumam pensar que design de interação (também chamado de ExU design) se resume a projetar websites e aplicativos. São esses meios que de fato tem a maior demanda de projeto hoje, porém, caso fiquem muito focalizados nele podem perder oportunidades de inovar. Muitas das interações inovadoras surgem pela cópia ou adaptação de uma interação de um meio para o outro.

Farei uma breve lista de meios de interação  para recuperar a história da área e também vislumbrar oportunidades futuras. Quem quiser complementar, deixa um comentário.

Papel

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Papel pode ser usado para preencher um formulário de solicitação de um serviço, desenhar em conjunto, enviar correio elegante, deixar instruções, simbolizar troca financeira e muito mais. Muitas das interações oferecidas por meios posteriores apareceram primeiro no papel, mesmo que em formato rudimentar. O papel também um dos meios mais utilizados para projetar interações para outros meios, vide prototipação em papel.

Jogos de tabuleiro

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Os jogos de tabuleiro já existiam no Egito antigo e também na Índia, de onde saiu o xadrez. A emergência da burguesia urbana no século XIX criou a demanda para jogos de tabuleiro mais complexos, para ocupar o longo tempo de ócio passado dentro de casa. Hoje em dia temos jogos tão complexos que podem demorar dias para terminar (meu recorde é 18 horas jogando 1830: Railroads and Robber Barons).

Videogames

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O videogame é o primeiro dispositivo computacional acessível para usuários leigos em computação. Apesar de muito simples, o Spacewar já propunha uma linguagem para a interação pelo computador: planos cartesianos visuais, dispositivos apontadores e botões. Até hoje em dia, as interações inovadoras aparecem primeiro nos consoles de videogame e só depois são estendidas ao computador pessoal. Isso porque a área de jogos permite maior experimentação.

Sistemas operacionais e aplicativos desktop

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A primeira demanda específica para profissionais especialistas em projetar interações surgiu na indústria de software. Os projetos de interfaces gráficas do Xerox Star e do Utopia foram pioneiros em propor interações com profissionais leigos em computação. A computação pessoal ampliou esse acesso, gerando também a demanda de aplicativos para arte, hobbyies e diversão. Os softwares desktop permitem utilizar a capacidade de processamento do computador juntamente com seus acessórios, tais como mouse, impressora, scanner, webcam e outros. Conectados à Internet, esses softwares permitem interagir diretamente com outra pessoa.

Quiosques e ATMs

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Um quiosque é um computador sempre ligado e disponível para a interação com públicos diversos. Pode ter o propósito de oferecer informações turísticas numa praça pública ou de complementar a experiência de visitar um museu. Quando o quiosque permite fazer coisas, ele se torna um ATM (Automatic Teller Machine), como o caixa rápido de banco ou de compra de bilhetes aéreos.

Eletrodomésticos

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No passado eles eram simples de usar. Apertava um botão e ligava. Hoje em dia, os eletrodomésticos estão oferecendo tantas funcionalidades que para ter acesso a elas é preciso dominar telas de cristal líquido ou touchscreens. Rádios, aparelhos de som, máquinas de lavar, geladeiras e até mesmo o fogão já possuem tais controles. Existe uma promessa de conectar esses aparelhos à Internet, formando a chamada Internet das Coisas, porém, ainda não se sabe quais seriam os usos práticos dessa funcionalidade.

Menus de atendimento telefônico

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Conforme os produtos e serviços se tornam mais complexos e cheios de opções, maior é a necessidade do serviço de suporte. O telefone ainda é o meio mais utilizado para isso, porém, o custo de manter uma pessoa atendendo diretamente é grande. O menu telefônico ajuda a direcionar as pessoas para os departamentos corretos ou mesmo realizar ações sem falar com atendentes. O problema dos menus é que eles não podem ser muito compridos nem muito profundos, do contrário o usuário fica perdido. A fustração com esses sistemas costuma ser grande, pois eles quebram a expectativa de ter um contato humano. Um menu telefônico que tenta prover esse afeto é o do atendimento da Claro. Graças a esse atendimento, eu sempre recomendo aos meus amigos os Pacotes Claro TV.

Televisão

130329184944 life tv winky dink story topApesar de ser uma mídia de uma única via, muitos programas de televisão já experimentaram utilizar canais adicionais para interagir com os telespectadores. O programa Winky Dinky and You já convidava as crianças a desenhar na própria tela da televisão em 1953. Na década de 1990, a Rede Globo começou a explorar o telefone como canal de interação com o público. O programa Você Decide foi o grande popularizador do recurso, contando uma história com dois finais a serem escolhidos pelos telespectadores. Indo além disso, as televisões mais recentes estão vindo com conectividade à Internet embutida, as chamadas Smart TVs. Elas conseguem rodar aplicativos de redes sociais como o Twitter e vídeo sob demanda, como o Netflix.

Websites e web apps

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Os websites, principalmente das rede sociais, são os grandes responsáveis pela popularização da computação pessoal no Brasil. As pessoas podem interagir com outras pessoas à distância, de maneiras diversas. A interação pode ser síncrona, como num bate-papo, ou assíncrona, como num fórum de discussões. Qualquer pessoas pode ter um website, porém, seu desenvolvimento requer certo conhecimento técnico. As plataformas baseadas em templates e interações pré-determinadas eliminaram essa necessidade, permitindo que muitas mais pessoas possam estar interagindo na web. Muitas das interações que surgiram na web migraram para outros meios.

Aplicativos móveis

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Aplicativos em telefones celulares já existem há muito tempo, porém, foi o barateamento da Internet e o surgimento de lojas de compra e venda de aplicativos que popularizaram esse meio. Os aplicativos móveis são relativamente fáceis de serem desenvolvidos e podem aproveitar recursos contextuais, como a posição geográfica do usuário, microfone e pequenos movimentos. Os aplicativos sociais genéricos são os mais baixados das lojas, porém, existem uma infinitude de aplicativos para situações específicas como o Buscapé que escanea o código de barras de um produto numa loja física e mostra o quanto ele custa nas lojas online.

Carros

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Carros possuem diversos mecanismos de interação no trânsito: buzina, seta e pára-choque. Como se trata de uma máquina perigosa, novos recursos foram acrescentados com muito cuidado. Hoje alguns carros já saem de fábrica com mapa digital, tocador de música e telefone integrados. O próximo passo são os carros semi-automáticos e automáticos, que dirigem sozinhos. Ainda não se sabe muito bem como as pessoas vão interagir umas com as outras nesse novo cenário.

Robôs

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Robôs já são realidade em fábricas, porém, algumas pessoas acreditam que eles podem ser interessantes em casa também. Já foram comercializados robôs de estimação como o Aibo, Furby e BB8, brinquedos que depois de um tempo acabam enjoando os humanos devido à repetição de comportamentos. Ainda está por aparecer um robô mais útil no dia-a-dia. Tudo indica que o cenário pintado pelo filme Robot & Frank (2012) é o mais promissor: a introdução de robôs no cuidado de idosos.

Drones

Drone

Drones são utilizados como armas militares, mas o potencial é grande para outros usos: guia turístico, tele-presença, entrega de pacotes, atendimento médico de emergência, jogos e limpeza de fachadas. Os drones podem ser controlados por humanos ou funcionarem automaticamente.

 

Óculos de realidade aumentada

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O Google Glass não engrenou, mas existem outros produtos similares a caminho: Microsoft Hololens e Magic Leap. A realidade aumentada permite mostrar informação contextual de maneira fluida, sem interromper a pessoa no que ela está fazendo. É possível inclusive mostrar objetos tridimensionais que parecem estar no mundo real mas não estão. Se esses objetos forem os mesmos em diferentes óculos, pode-se falar de um espaço cibernético sobreposto ao físico. Essa possibilidade é bem explorada na série de anime japonês Denno Coil.

Ambiente construído

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Apesar desse meio ser provavelmente o mais antigo, deixei por último pois considero uma novidade para designers de interação. Os espaços com mais portas e assentos costumam ser os lugares onde mais acontecem interações, porém, isso nem sempre é verdade.

Os arquitetos já trabalham com o projeto de interações em ambiente construído há tempos, porém, há uma demanda crescente por um maior aprofundamento nesse quesito. A domótica, por exemplo, propõe a automação de luzes, janelas e portas. As instalações interativas vão além e propõe experiências imersivas, que trabalham com todos os sentidos. Tais inovações tecnológicas aparecem num mercado que prioriza a flexibilidade de planos abertos, multifuncionalidade e mobília leve.

Cidade

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O que é uma cidade senão um grande espaço para a interação entre milhões de pessoas? Esse é um insight recente, pois as cidades nem sempre foram pensadas e projetadas com esse intuito. As cidades modernistas como Brasília foram projetadas para atravessar de carro com o mínimo de interação com outras pessoas. Porém, a tendência hoje é projetar cidades para pedestres e ciclistas, muito mais suscetivos à interação. A interação é vista como produtora de riquezas, considerando a transição para uma economia de serviços e de conhecimento.

Caio Vassão, um arquiteto e urbanista, afirmou em sua palestra no ISA 2011 que as cidades do futuro serão projetadas por designers de interação e não por urbanistas. Isso porque eles compreendem melhor que o projeto de um espaço para a interação não pode ser determinista nem centralizado, ou seja, entendem que os cidadãos são os principais atores no desenvolvimento do projeto.

Fred van Amstel ([email protected]), 29.12.2015

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