Conversando com objetos

Na minha definição atualizada de design de interação, eu afirmo que é possível projetar interações entre pessoas, desde que a interação seja mediada por tecnologias analógicas ou digitais. Apesar do foco do design de interação não ser o objeto, o objeto é o meio pelo qual ocorre a interação. Logo, é preciso compreender as particularidades do objeto e suas propriedades interacionais.

Uma das maneiras de fazer isso é conversando com o objeto. Isso mesmo. Conversar com objetos significa reconhecer o objeto, investigar suas origens, analisar seus componentes e descobrir suas possibilidades. Como toda conversa, isso se dá pela fala, por gestos e por olhares.

Essa técnica parece insana, pois quebra o tabu de não falar com objetos. Pois quem fala com objetos é considerado maluco em nossa cultura. E quando as pessoas pedem para seus carros aguentarem o tranco, xingam seus computadores e enviam comandos de voz para o celular? Elas já estão conversando com os objetos, mas é uma conversa muito pobre. Eu acredito que valha à pena quebrar o tabu e ir a fundo na conversa.

Todo objeto faz parte de uma cultura, tem significados associados e desempenham funções específicas, mas nem sempre essas características estão aparentes. É preciso olhar com calma, tocar, sentir, cheirar, ler informações e falar em voz alta para compreender o que é o objeto. Fazendo isso, é possível aproveitar ao máximo o que o objeto tem a oferecer para um projeto.

Na disciplina Design de Interação que estou dando junto com Rodrigo Gonzatto na PUCPR, a gente usou essa técnica para criar um cenário de ficção projetual. Para produzir essa ficção, os alunos precisavam especular não só como seriam os objetos daqui há 10 anos, mas também como seriam as pessoas e a sociedade. A dificuldade maior era manter o nexo entre os elementos da ficção e também entre o presente e o futuro.

Para começar o projeto, fizemos um exercício de geração de ideias em três níveis: namoro, troca de casais e orgia. A gente imaginava que os alunos iriam se sentir desconfortáveis com a proposta de conversar com objetos, então resolvemos dar um caráter humorístico para a atividade, seguindo o método criado pelo Gonzatto.

Fases conversa objetos

Na fase de namoro, os alunos e alunas escolhem um dos objetos trazidos por nós para ter uma conversa a sós. Na fase de troca de casais, eles apresentam o objeto para um colega e conversam em duplas. E na fase de orgia, eles podem conversar com quem quiser, trocar  de casal e misturar objetos. Como entrega do exercício, eles tinham que tirar uma foto com o objeto representando um cenário.

O cenário deveria seguir a fórmula: e se [o objeto 1] fosse como o [objeto 2], mas as pessoas [fossem de um jeito diferente do que são hoje]. Para esse jeito diferente, a gente pré-determinou 10 tendências sociais que estamos interessados como pesquisadores:

Os cenários criados à partir dessa fórmula foram bastante prosaicos.

Taro salario1 Violao carro Saques ilimitados

Já fica claro nesses exemplos que os alunos estão extrapolando o uso dos objetos à partir de seu potencial metafórico. Tarô prevê o destino, violão faz as pessoas viajarem mentalmente e banco garante o futuro. Esses significados potenciais não estão explícitos nos objetos e é preciso conversa para percebê-los.

A tendência mais escolhida pelos alunos foi a de fazer justiça com as próprias mãos. Essa é uma tendência que tem sido alimentada nas redes sociais como solução para a alta criminalidade e ineficiência da polícia em grandes cidades brasileiras.

Uno justiceiro Malas escudos

Depois de gerar esses cenários, os alunos escreveram roteiros para um curta metragem de gênero ficção projetual a ser desenvolvido na disciplina de Projeto Integrado. Na disciplina de Design de Interação eles continuaram a desenvolver produtos para os cenários dos filmes, com foco na interação. Os trabalhos finais podem ser vistos na Revista Futurologias.

Essa técnica de namoro com objetos foi criada originalmente no curso Collaborative Future Making que o professor Pelle Ehn deu na Universidade de Twente. Um dos pontos que ele enfatizava muito é que os não-humanos deveriam ser participantes dos processos de design tanto quanto os humanos. Pois bem, propusemos num projeto de integração de estudantes asiáticos que os convidados participassem de um "dating with objects". A proposta era quebrar o gelo entre os estudantes europeus e os asiáticos, utilizando o objeto como "prop" para a conversa a dois. O que fizemos com os alunos da PUCPR pode ser considerado como uma extensão da técnica.

Na foto abaixo você pode ver o professor Ehn participando da festa, sentado no chão como todo mundo, humilde e curioso para ver o que os alunos estavam criando.

Dating with objects

Fred van Amstel ([email protected]), 09.01.2016

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