Afinal, o que é ícone? Como criar ícones?

A edição de setembro da Revista Webdesign traz uma reportagem completa sobre ícones, contando com a opinião de especialistas no assunto como Ronaldo Gazel, Mauro Pinheiro, Felipe Memória e outros. A reportagem consegue tocar em praticamente todos os principais aspectos a serem considerados na criação de ícones: padronização, ilustração, estética e etc. Abaixo publico a entrevista completa que o jornalista Luis Rocha me propôs durante a elaboração da matéria.

Como podemos definir um ícone?

A palavra ícone vem do grego eikon, que significa imagem, mas em nosso ramo essa palavra é usada para apontar um tipo específico de imagem. Quando falamos em imagem, é importante entender que a imagem é sempre uma representação de um objeto, embora tratemos a imagem do objeto como se fosse o próprio objeto. Posso apontar para a superfície de um tubo de raios catódicos (um monitor) e dizer: “essa aqui é sua pasta de documentos”, embora não haja pasta alguma ali. O objeto a que estou me referindo, em última análise, é uma área física num disco rígido que pode guardar dados. Uma pasta de papel também serve para guardar dados, logo, a imagem da pasta serve como metáfora para facilitar o entendimento do uso da área do disco rígido. O ícone é, portanto, segundo a Semiótica peirciana, uma imagem que tenha alguma relação de semelhança entre a representação e o objeto que, se for convincente, permite que usemos a representação sem tomar conhecimento do objeto.

Existe alguma diferença ou a função dos pictogramas no mundo real e dos ícones no mundo virtual são as mesmas?

Se tomarmos o virtual como o mundo abstrato da mente humana, incluindo, entre outras, o ciberespaço, ícones só existem no plano virtual. Como objetos reais, não passam de um amontoado de rabiscos ou de pontos luminosos num monitor. O ícone é sempre uma abstração, pois funciona como uma representação de um objeto outro que não a própria representação. O virtual e o ícone já existiam muito antes da Internet, portanto, nesse novo meio, continuam tendo a mesma função.

Falando especificamente da função dos ícones em interfaces digitais, você acredita que o seu objetivo esteja mais ligado à memorização de determinadas tarefas ou a estética gráfica?

Os primeiros ícones surgiram como metáforas para facilitar o entendimento do funcionamento dos sistemas, como no exemplo da pasta. A estratégia deu tão certo que as pessoas se lembravam mais da forma do ícone do que do nome do comando que ele representava. Logo, os ícones se tornaram a cara do software, desempenhando papel fundamental na formação de sua própria identidade. Foi a partir daí que o valor estético dos ícones começou a ser explorado em softwares. Por influência da linguagem visual das interfaces de softwares, as primeiras páginas Web incluíam ícones sem ganho funcional, apenas para parecer que a página era mais “interativa”. Esses ícones não tinham a função de facilitar a memorização nem o aprendizado; seu único objetivo era o ganho estético. Com o ingresso massivo de designers na criação de interfaces, o que parecia inconciliável se tornou indissociável. O Design mostrou que valor estético e valor funcional não precisavam competir entre si.

A eficiência dos ícones depende do nível de familiaridade das pessoas com as representações que se pretende passar?

Não necessariamente. Uma imagem pode ser facilmente lembrada mesmo que não faça referência direta a algum objeto que conhecemos previamente, pois nossa mente é capaz de criar inúmeras associações indiretas. É por esse motivo que uma pintura abstrata pode suscitar algum tipo de sentimento ou idéia. A eficiência do ícone está mais ligada à adequação ao contexto. Se uma interface oferece uma série de ícones abstratos que se diferenciam entre si o suficiente e fazem sentido para o contexto da interface, possivelmente, eles serão eficientes. No Brasil, os ícones usados em fornos microondas fazem referências a objetos concretos (figura de peixe para a programação “assar peixe”), enquanto que na Suécia eles são mais abstratos (duas barras paralelas para a programação “descongelar”).

Hoje, já podemos afirmar que a internet possui uma iconografia particular (por exemplo: utilizamos a imagem de uma casa para indicar a página principal de um site)?

A maioria dos ícones que encontramos com freqüência na Web tem suas origens nos softwares de desktop. A imagem da casa para indicar “home” já era usada antes da Web em apresentações multimídia feitas com o Hypercard, o avô do Director. Entretanto, a transposição deve ser feita com cuidado. Será que o usuário já viu este ícone em algum software? Se viu, será que ele entendeu? Se entendeu, será que ele vai entender se eu colocar nessa aplicação Web? Essas perguntas não podem ser respondidas com base no achismo. Melhor testar com usuários reais.

Por outro lado, o avanço da tecnologia permite que o desenvolvimento de um site possua uma série de novas funcionalidades. Por exemplo: o espaço para comentários vem se tornando uma função muito comum (e o símbolo de um balão tem sido o ícone mais utilizado para representá-lo). Diante disso, quais são as principais etapas a serem consideradas na hora de se criar um novo ícone (escolha de cores, tamanho, tipo de traço etc.)? Caso possível, poderia citar um bom exemplo nesta área?

A primeira etapa ao se criar um novo ícone é não criar um novo ícone. Para quê reinventar a roda? Se o ícone para comentários na maioria dos websites similares ao que você está trabalhando é um balão, então é melhor usar um balão também, a não ser que o objetivo seja confundir ou chamar a atenção para o próprio ícone. O contexto onde estará o ícone é que vai dizer qual será sua função principal: embelezar, agilizar, desorientar ou o que for. É preciso, entretanto, ser consistente na função dos ícones. Ícones agilizadores não devem se misturar a ícones embelezadores, do contrário, ambos perdem força. Isso acontece porque os ícones não são percebidos em separado, mas sim fazendo parte de uma série. O usuário entende a função do ícone comparando-o com os ícones e controles próximos. Por esse motivo é tão importante usar uma mesma linguagem visual (bordas, cores, perspectiva, iluminação) e figurada (objetos, atores) entre todos os ícones de uma interface. Na tela de configurações do sistema operacional BeOS R5.0.1, a inconsistência na linguagem utilizada em alguns elementos chama a atenção.

Qual é a melhor forma de testar a eficácia de um ícone na web?

A melhor forma de testar ícones é observar se eles são relevantes para os usuários. Como disse anteriormente, o usuário pode não entender o significado que o criador do ícone quis transmitir, mas se fizer algum sentido, for agradável ou fácil de memorizar, então ele pode ser considerado eficaz. Para avaliar esses aspectos com maior precisão, só colocando o ícone no contexto onde ele vai ser utilizado, ou seja, num protótipo da interface. Testar o ícone isoladamente através de métodos como o Icon Sorting, no qual o usuário combina livremente o ícone com um rótulo que descreve seu significado, é interessante para explorar diferentes possibilidades de combinação entre texto e imagem, mas não se pode confiar no resultado como uma avaliação real. O ideal é fazer um Icon Sorting antes e depois testar o protótipo da interface em situações reais.

O site GloboEsporte.com é um bom exemplo no uso de ícones, ao utilizar os escudos de times de futebol para indicar as seções específicas de cada um deles. Dentro de um site, quando se nota a necessidade de criar um ícone para que o usuário consiga realizar determinada função?

O caso do GloboEsporte.com é uma situação rara. Não é sempre que se pode contar com ícones facilmente reconhecíveis para cada categoria. O mérito da eficácia desses ícones é muito mais dos clubes que criaram escudos únicos do que da equipe do GloboEsporte.com que aproveitou a oportunidade de utilizar esses escudos como atalhos. Além do valor funcional, estes ícones também servem para aumentar a identificação do site com o torcedor, que vê o escudo do seu time na página principal do site. Entretanto, a maior sacada da equipe do GloboEsporte.com foi perceber que os usuários buscavam informações específicas sobre seus times e se beneficiariam muito de um atalho para essa função. Esse exemplo ilustra várias funções de ícones: atalho, decoração, fetiche e etc.

Quais são as vantagens (economia de espaço da interface, agilização da navegação etc.) e desvantagens (complexidade, poluição visual etc.) no uso de ícones em projetos de sites?

Cada caso é um caso. Um visual colorido proporcionado por uma série de ícones pode ser vantajoso para um website infantil e desvantajoso para um website sobre direito tributário. É claro que podemos fazer uma série de ícones monocromáticos para o website sobre direito, mas será que ainda assim não prejudicará sua imagem de seriedade? A avaliação de prós e contras da utilização de ícones deve, como todo elemento de interface, ser feita dentro do contexto.

Como os ícones podem ajudar a melhorar a usabilidade de um site?

Uma série de ícones bonitinhos pode contribuir para transmitir uma primeira impressão de facilidade de uso, ou seja, contribuir para a usabilidade percebida. Em websites que enfrentam grande concorrência e são utilizadas poucas vezes por seus usuários, a usabilidade percebida é mais importante do que a usabilidade efetiva. Para o usuário, não importa se a conclusão da tarefa vai demorar 1 minutos ou 3 minutos, importa mais que o fluxo da tarefa durante esse tempo seja agradável e sem problemas. É claro que ícones podem contribuir para a usabilidade efetiva, contribuindo para a memorização de atalhos rotineiros, mas isso só se aplica a websites de uso intensivo.

Em alguns sites, é possível reparar que os ícones possuem textos auxiliares que funcionam como legendas para explicar o significado daquele símbolo. Essa solução é aconselhável, ajuda na compreensão ou representa a falta representação de um ícone sobre a mensagem que ele pretende passar?

O rótulo serve para ensinar ao usuário o significado do ícone no contexto onde ele se encontra. Se o contexto por si só já deixa claro para que serve o ícone, o rótulo não é necessário. Quando estou escrevendo um texto e há uma série de ícones representando diferentes alinhamentos de parágrafo, não preciso de rótulos. Existe uma semelhança direta entre o ícone e a apresentação do meu texto. Agora, abaixo da imagem de uma prancheta com um documento em cima é necessário o rótulo do comando pois a semelhança é indireta. A prancheta (clipboard) é onde fica armazenado um trecho de texto pronto para ser “colado” na posição do cursor. Como o índice de uso desse ícone era muito baixo no Office 2003, a Microsoft pretende adicionar o rótulo “colar” abaixo desse ícone na próxima versão do Office.

Fred van Amstel ([email protected]), 04.09.2006

Veja os coment?rios neste endere?o:
http://www.usabilidoido.com.br/afinal_o_que_e_icone_como_criar_icones.html