A posição do designer em meio à polarização política

Durante as manifestações de junho de 2013, revelei que havia perdido minhas esperanças no PT e por isso já não acreditava mais na política oficial no Brasil. Meu foco era e continua sendo a política do dia-a-dia, a política em que os designers e usuários atuam. Uma política silenciosa, mas efetiva.

Nesta eleição presidencial o design foi trazido para a política oficial e apareceu pela primeira vez num programa de governo. Embora eu continue sem esperanças em relação à política oficial, vou me manifestar a respeito já que o voto é obrigatório e há muitas pessoas indecisas.

O plano do candidato Aécio Neves (PSDB) propõe o seguinte:

Promoção de planos, junto ao setor industrial, de forma a decidir não
apenas quais produtos manufaturados o país deve exportar mas,
principalmente, de que forma esses produtos agregam valor por incorporar na sua produção inovação em produto ou processo, em design, em materiais especiais ou numa estratégia ligada ao desenvolvimento de marcas.

Isso significa que o governo irá incentivar e organizar as empresas para focalizar no design como um diferencial competitivo a nível global. Me parece uma estratégia sensível para a indústria visto que competir em escala com a China não é viável no momento.

O que me preocupa nessa proposta é a competência do governo em decidir sobre os produtos e como eles serão desenvolvidos. Mesmo que seja em conjunto com a indústria, eu acredito que o governo no momento não tem competência alguma pra lidar com questões que requerem agilidade e empreendedorismo. O governo pode incentivar, mas decidir não faz sentido.

O plano da candidata Dilma Rousseff (PT) não fala diretamente sobre design, mas faz uma proposta relacionada:

Além das medidas que serão tomadas de aprofundamento da democracia, soma-se o Sistema Nacional de Participação Popular, que terá a função de consolidar as formas de participação colocadas em prática nos governos Lula e Dilma e institucionalizá-las. A proposta é transformar a participação popular em uma cultura de gestão e as novas tecnologias permitem ampliar e estimular o debate da população.

Em maio deste ano a presidenta Dilma já havia baixado um decreto criando esse sistema de participação social. Eu gostei muito dessa ação: criar conselhos locais abertos à participação presencial e portais na Internet abertos à participação online. Isso significa que os cidadãos poderão se envolver mais com o poder público do que simplemente oferecer voto para representantes políticos.

A minha metodologia favorita de design sempre foi a do design participativo. A ideia básica é que as pessoas afetadas por um projeto são envolvidas não só na tomada de decisão (voto), mas também na construção das opções disponíveis. É similar ao que propõe o decreto, porém, muito menos burocratizado.

Colocando em contexto, o plano de governo de Aécio favorece o design como ferramenta industrial para a manutenção do status quo, visando criar produtos com estilo para uma determinada parte da sociedade. Já o plano de governo de Dilma favorece o design participativo como ferramenta de democratização do desenvolvimento de serviços públicos. Esse plano pode ter o efeito secundário de estimular a iniciativa privada a adotar processos mais participativos para a melhoria de seus produtos e serviços.

Existem muitas outras diferenças importantes entre os dois planos, mas na questão do design, eu prefiro o plano da Dilma. Acredito que pelo viés do design participativo, o design pode ser muito mais relevante à sociedade do que através do design industrial tradicional baseado em autoria, patentes e direitos autorais que o Aécio defende.

Aqui no hemisfério norte essa busca pela relevância social é a prioridade do momento nas diferentes esferas do design. Essa tendência deve chegar ao Brasil mais cedo ou mais tarde, já que o design industrial segue as crises na produção industrial. A participação é a carta na manga que o design tem para se tornar mais relevante.

Vou dar um exemplo de como a falta de participação pode minar a relevância de um projeto com boas intenções. Em junho deste ano conheci Luiza Prado e Pedro Oliveira do estúdio A Parede. Na ocasião eles estavam causando polêmica num congresso de design design a respeito da relevância social do design crítico, uma vertente do design que se propõe a fazer comentários críticos à sociedade através de produtos ficcionais ou especulativos situados num futuro não tão distante.

Eu concordo com a crítica, mas tenho que acrescentar que não é só uma questão de mudar as temáticas dos projetos para incluir as contradições sociais enfrentadas pelas mulheres, transgêneros e pessoas de baixa renda. Questões delicadas como essas só geram consciência crítica através da participação direta com o assunto. É preciso ter conhecimento de causa, como dizem os sociólogos.

Pois bem, o Pedro e a Luiza lançaram no contexto das eleições presidenciais um projeto especulativo sobre o futuro do Brasil em 2038. O projeto consiste numa série de notícias veiculadas em diferentes mídias digitais sobre a ascenção de um governo liberal e conservador, uma mistura política estranha mas bem possível considerando os resultados das últimas eleições no Congresso Nacional.

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Me chamou a atenção a criação da organização PMs de Cristo, uma outra combinação estranha, apesar de acordo com a tendências do eleitorado. Essa organização teria não só o poder ideológico sobre as pessoas, mas também o poder de uso da violência, tal como a Igreja Católica dispunha nos tempos de inquisição.

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Como estudioso em ficções de design, me alegro em ver uma tratando de assuntos especificamente brasileiros. Porém, não posso deixar de fazer a crítica sobre a falta de participação no processo de elaboração do projeto e na sua publicação. Como tratar desses temas tão polêmicos e atuais sem dar um espaço para o leitor deixar um comentário, especialmente se este for contrário ao caráter moralístico do projeto.

A mensagem desse projeto pra mim é muito clara: "se vocês brasileiros continuarem a votar em políticos conservadores e liberais, é isso que vai acontecer: a Universidade pública será privatizada, a polícia será cada vez mais repressora, o aborto será proibido em qualquer caso e as pessoas de orientações sexuais diversas serão curadas por métodos duvidosos."

Nesse projeto há uma oportunidade perdida de enfatizar as diferentes possibilidades que o futuro reserva, o que inevitavelmente viria à tona pela participação. É bem possível que um governo liberal e ao mesmo tempo conservador entre em colapso rapidamente na gestão da economia, mas essa possibilidade não consta.

Nos projetos especulativos que desenvolvemos no Instituto Faber-Ludens, tentamos sempre deixar o futuro em aberto através da possibilidade da participação indiscriminada de qualquer pessoa, principalmente, através de ferramentas da Internet, as mesmas que a Dilma quer implementar na gestão pública. Num artigo acadêmico sobre essa produção, a gente chamou isso de ideologia da libertação, em contraposto à ideologia da alienação implítica nos projetos de design crítico de Anthony Dunne e Fiona Raby e também neste projeto específico de Luiza Prado e Pedro Oliveira.

No projeto Igreja do Desígnio Divino, a gente também trabalhou com o tema conservadorismo, mas de uma maneira muito mais ambígua. Ao invés de antecipar consequências nefastas ou estranhas de tendências atuais, a gente simplesmente levantava a pergunta ao público: como seria uma igreja dedicada ao culto do design?

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Infelizmente o projeto não se encontra mais online para participação, porém, os arquivos das discussão promovida na lista DesInterac está disponível. É bem interessante ver as opiniões contra e a favor da criação da igreja.

Então qual seria a posição do designer num cenário de polarização política? Mediação. Se o designer tomar um dos lados possivelmente perderá a sua relevância social já que seu trabalho não lhe permite lidar com contradições sociais com o adequado nível de aprofundamento. Ou então, ele pode mudar o seu trabalho para lidar com essas contradições sociais. Por isso que, apesar de eu ter escolhido o plano da Dilma, estou me dando o trabalho de apresentar o plano de Aécio com o mesmo peso, sem acusações ou moralismos. Independente de quem ganhar as eleições, meu trabalho na política do dia-a-dia continua.

Fred van Amstel ([email protected]), 22.10.2014

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