A insustentável leveza da simplicidade

A simplicidade está na moda... de novo. Após o conturbado final do século XX, salpicado de rupturas tecnológicas e ameaças apocalípticas, as pessoas estão procurando conciliar o que o presente nos oferece com o que o passado tinha de bom. “Antigamente tudo era tão mais simples...” dizem uns. Entretanto, ninguém quer nem pode se desfazer dos novos confortos e voltar ao passado. Os produtos que fazem mais sucesso no momento são os que recuperam a simplicidade sem perder a sofisticação.

Parece um paradoxo, algo impossível de acontecer, simplicidade e sofisticação estarem num mesmo lugar, no mesmo objeto. Mas é real: empresas como a Apple e Google  estão chamando a atenção do mundo pelo fino equilíbrio entre essas qualidades. A Google saiu do fundo de uma garagem para se tornar uma das maiores empresas do mundo em menos de 10 anos graças à simplicidade de sua página e à sofisticação de seu mecanismo de busca. Só é preciso digitar uma palavra e apertar um botão para ter acesso a milhares de informações espalhadas na Web. A complexidade fica por conta do sistema, que realiza operações mirabolantes para indicar à pessoa as páginas mais relevantes.

Mas a simplicidade tem um preço: a simplicidade esconde mais do que revela. Olhamos para um objeto ou uma pessoa simples e pensamos: “puxa vida, gostaria de ser como aquela pessoa” ou “ter o que ela tem”. O que não sabemos é que ser simples não é simples. Um sábio indiano certa vez escreveu que o segredo da felicidade é “vida simples, pensamento elevado”. Tento aplicar isso em minha vida, mas é tão difícil... O problema é que, em nossa sociedade atual, a vida é muito complicada. Temos que desempenhar diversos papéis sociais, vivenciar dramas, equilibrar conhecimento, economia e prazer numa agenda sempre lotada!

A simplicidade está na moda porque a complexidade impera. A cada momento, multiplicam-se em progressão geométrica as coisas que precisamos conhecer, relacionar e interagir para sobreviver. Definitivamente, não damos conta de tudo. Quando aparece um deserto nesse mar de oásis, ficamos embasbacados, pensando como é possível que ninguém sacou antes que poderia ser simples assim? Esse efeito estarrecedor da simplicidade é pura ilusão. Na miragem, o iPod parece uma caixa com um botão, uma rodinha e um display que é a solução para as demandas de consumo de música do indivíduo. Desmistificada a elegância da simplicidade, percebemos que ao invés de solucionar qualquer coisa, o iPod complexifica ainda mais a vida das pessoas. Agora temos que escolher não uma dentre 10 músicas do Discman, mas uma dentre 5.000!

A última versão do iPod, agora com monitor sensível ao toque, comporta menos músicas, mas faz um monte de outras coisas: funciona como agenda, calculadora e navegador de Internet. Na verdade, a Apple aproveitou o sucesso do iPhone e fez uma versão sem telefone: o iPod Touch. Para quem já tinha um iPod anterior e acompanhou o lançamento do iPhone, ele parece tão simples quanto o primeiro iPod. Agora, para quem está de fora dessa cultura, ele é uma quimera tão assustadora quanto o programador de gravação do videocassete. Como diz John Maeda em seu livro As Leis da Simplicidade, “o conhecimento faz tudo mais simples”, logo a simplicidade não é universal: para alguns é simples, para outros, não.

É por tudo isso que não concordo quando alguém evoca o velho bordão do design cunhado pelo arquiteto Mies van der Rohe na escola Bauhaus: “menos é mais!” Eu pergunto: menos é mais para quem? Van der Rohe usava ela para aludir à racionalização extrema de recursos: usar o mínimo de material para obter o máximo de eficiência de uso. O modernismo almejava a padronização do cotidiano segundo leis de bem-estar pretensamente universais. Hoje em dia, ninguém acredita que isso seja possível, no entanto continua-se a repetir que “menos é mais”. É porque a frase adquiriu um novo sentido. Diante de tamanha abundância de produtos e tecnologia, oferecer menos é um diferencial de mercado, ou seja, destaca o produto. Hoje, menos é diferente, não é mais. Se fosse mais, as pessoas pediriam menos produtos, menos funcionalidades, menos consumo, mas não é o que se observa na prática: as pessoas querem sempre mais e mais! Menos é menos e mais e mais; não dá pra correlacionar quantidade com qualidade.

Assim como o protagonista do romance A Insustentável Leveza do Ser sente o peso do comprometimento com a liberdade quando se envolve com uma mulher, nós sentimos o peso da simplicidade quando sua complexidade inerente se desvela. Negar a complexidade é tapar o sol com a peneira: o caos se alastra inevitavelmente. Entretanto, precisamos crer em simples ideais para sobreviver ao caos que nos consome em nossa sociedade atual.

Nota: a idéia desse artigo é problematizar a visão simplista que se tem da relação entre simplicidade e complexidade, manifesta, por exemplo, na excelente (porém simplista) palestra do meu amigo Horácio Soares. O primeiro artigo que encontrei que me fez repensar a empolgação com a simplicidade foi o questionamento sobre a pretensa simplicidade do Google de Donald Norman. Depois, o contato com os projetos explorando os prazeres complicados dos seres-humanos no Royal College of Art me convenceram de vez a ser mais crítico a respeito dessa questão.

Artigo a ser publicado na Revista Design do website da Tramontina Design Collection.

Fred van Amstel ([email protected]), 02.11.2007

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