A estética do cotidiano

A sabedoria popular diz que “a beleza é um estado de espírito” e que “a beleza está nos olhos de quem vê”. Se for assim, tudo pode ser belo, desde que nossos olhos possam encontrar a beleza de cada coisa. Na verdade, é exatamente isso que a visão e os demais sentidos estão fazendo o tempo todo. Procuramos os caminhos mais aprazíveis, as pessoas mais interessantes, as comidas mais gostosas, os móveis mais confortáveis e por aí vai, muitas vezes nem se dando conta de que estamos fazendo escolhas com base na estética.

Estética, dizem os filósofos, é a eterna busca pelo belo, mas o que é belo vai depender do gosto individual e coletivo. O gosto individual é tão variado que as pessoas costumam encerrar prematuramente conversas sobre o assunto quando encontram diferenças, afinal, “gosto não se discute!”. Apesar da intolerância, as diferenças não são tão drásticas assim dentro de um grupo de pessoas. Eu gosto de sofás felpudos, arredondados e coloridos e você gosta de sofás lisos, retangulares e de cores pastéis, mas ambos gostamos de sofá. No Japão, uma cultura bem diferente da nossa, as pessoas gostam é de sentar no chão!

O gosto também varia de acordo com a época. Pegue o álbum de fotos da família e veja como aquelas roupas usadas há muitas décadas atrás lhe parecem ridículas, mas na época, eram uma “brasa mora”...

Entretanto, algumas pessoa acreditam que, nos dias de hoje, a estética já não é mais tão importante. Desde que o dia-a-dia passou a ser contado no relógio, o tempo passou a ficar cada vez mais curto. É preciso comer o mais rápido possível, descansar o mínimo, trabalhar e estudar o máximo. Não há tempo para apreciar o mundo, é preciso produzir, produzir, produzir!

Para maximizar a produtividade do dia-a-dia, a indústria em geral vende produtos baratos e funcionais, mas não necessariamente bonitos. Nas propagandas, eles enfatizam a multifuncionalidade, a facilidade de limpeza, os benefícios para a saúde, mas nada de falar da beleza. Em alguns casos, o “design moderno” é listado dentre as demais características funcionais do produto, como se todo o resto também não fizesse parte do design.

Mas isso é o que eles querem que a gente pense, ideologia, mas não é necessariamente o que a gente faz. Muitos produtos são rejeitados no mercado simplesmente porque as pessoas acham feio demais, enquanto outros superam as expectativas de venda porque todo mundo achou lindo.

Fiat Uno

O Fiat Uno é um caso interessante. Inicialmente foi rejeitado pelos brasileiros devido ao formato da carroceria ser muito destoante do padrão da época, ou como chamavam na época, a “botinha ortopédica”. Depois foi aceito e se tornou forte nas vendas, mas sempre associado a valores como economia e desempenho. O Fusca, curiosamente, apesar de ser ainda mais diferente dos demais, é considerado por muitos como um carro charmoso até nos dias de hoje. Não é raro encontrar pelas ruas brasileiras Fuscas turbinados, customizados, antigos, mas bem cuidados. As pessoas desenvolvem tal afeto pelo carro que não trocam por outro.

Fusca altamente customizado

A estética, portanto, guia a experiência humana inclusive na rotina do cotidiano. A beleza não está distante de nós, restrita às vitrines e à televisão; ela está aqui, dentro de nossas casas. A estética do cotidiano não é a estética do exótico, do inalcançável, do perfeito, mas sim do que é verdadeiramente humano: o comum, o rotineiro, o gostosinho, o bonitinho, o bom.

Publicado originalmente na Revista Design do site da Tramontina Design Collection.

Fred van Amstel ([email protected]), 10.06.2007

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