Visualização: do low-tech ao high-tech

A visualização da informação é um recurso muito usado em projetos arquitetônicos. Além dos modelos em 3D que tentam simular a aparência da construção, existem modelos que ajudam a prever a performance da construção em relação ao vento, incidência de sol e temperatura.

Um aspecto que ainda não é muito visualizado é a atividade do usuário. Na minha pesquisa de doutorado, fiz vários experimentos nesse sentido. Utilizando agentes inteligentes, gerei uma visualização mostrando os locais onde as pessoas tenderiam a passar e os lugares onde as pessoas tenderiam a não passar.

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O algoritmo é baseado na teoria da sintaxe espacial, que considera fatores como visibilidade em corredores e quantidade de portas cruzadas para se chegar numa sala. Uma sala escondida atrás de 4 portas tende a ser menos frequentada.

Essa visualização parece bem inteligente à primeira vista, mas sofre de dois problemas. O primeiro é que a tendência de uso é uma previsão que não leva em conta a função do espaço. Uma sala de operação hospitalar costuma ser isolada por várias portas para evitar contaminações, o que não significa que elas sejam menos frequentadas na prática. O segundo problema diz respeito à utilidade da visualização no processo de design. Se uma sala está isolada, o que o arquiteto deve fazer? Conectar essa sala a outras salas? Isso a visualização não responde.

Escrevi num post anterior sobre uma abordagem que desenvolvi para visualização da atividade do usuário que começa no low-tech e termina no high-tech. O low-tech é a maneira que encontrei para envolver os usuários representados pela visualização. O princípio básico é que os usuários representam a si mesmos, evitando qualquer especulação por parte de quem não será usuário.

Cogitei utilizar visualizações high-tech num workshop com usuários, mas logo percebi que eles não conseguiriam se representar numa ferramenta muito complicada. Colocar os usuários para escrever o algoritmo de um agente inteligente é contraproducente, pois introduz uma linguagem completamente alinígena para discutir a atividade.

Por esse motivo, comecei a experimentar com visualizações low-tech, não só por ser mais acessível pelos usuários, mas também por ser mais fácil e rápido para prototipar. A primeira visualização low-tech que fiz foi o chamado ?jogo do tricô?, em que a atividade do usuário é reduzida à movimentação de uma sala à outra, representada por um fio de tricô.

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Os usuários construiram a visualização com suas próprias mãos e depois eu criei uma versão high-tech (disponível como um plugin), utilizando um software de modelagem arquitetônica, Autodesk Revit.

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Como o software é baseado no paradigma de modelagem de informação da construção (BIM), tudo que se desenha em 2D pode ter uma representação em 3D automática, baseada em certas informações. A imagem abaixo colore os caminhos pelo prédio à partir da pessoa que está caminhando (enfermeira, paciente, etc).

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A vantagem é que essa versão high-tech pode gerar vários indicadores de performance tais como distância percorrida em metros, tempo dispendido andando, e dados mais aprofundados sobre o que se faz em cada sala.

Exportando os dados dessa visualização e acrescentando dados de tempo (quando a movimentação acontece), eu consigo simular a atividade do usuário numa animação em 4 dimensões (3D + tempo) em outro software, o Autodesk Navisworks. Essas informações todas podem ser úteis pare repensar a ordem das salas e corredores visando minimizar o corre e corre de um lado para o outro dos profissionais da saúde ou ainda evitar que o paciente se perca dentro do hospital.

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O segundo experimento que fiz adota ritmos mais abrangentes. Ao invés de visualizar algumas horas de atividade, esse experimento visualiza semanas, meses e estações do ano. Parti do modelo Um dia na vida criado pelo arquiteto Stanley King para codesign de ambientes urbanos.

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No meu experimento, fui além de visualizar um dia na vida de uma comunidade e pedi para visualizar uma semana e um ano inteiro. Cada post-it representa uma atividade, posicionada ao redor do sol, representando a rotação da Terra e as consequentes estações do ano.

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Esse planejamento é importante pois o projeto em questão é de um centro de natureza que visa ser o mais sustentável possível. Sabendo quando há picos de atividade, é possível planejar melhor a capacidade de retensão térmica do prédio. Por exemplo: identificou-se que os picos de atividade se darão à noite e durante o inverno, o que demanda menos ventilação e proteção solar.

Modelei o prédio novamente no Autodesk Revit, desta vez colocando as informações sobre o acontecimento das atividades ao longo do ano. O software mostra a incidência do sol e as áreas sombreadas para cada mês do ano.

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Com essa informação detalhada da atividade (que no software é chamado de ocupação), é possível também rodar uma simulação de custos energéticos. Como era de se esperar, o consumo de energia para aquecimento será alto durante o inverno, o que talvez possa ser diminuído construindo apenas um andar ao invés de dois.

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A simulação gera vários indicadores de uso de energia, mas talvez o mais importante para esse projeto seja o de emissões de carbono e o potencial de captação de energia solar.

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Espero que os experimentos que estou fazendo no meu doutorado inspirem arquitetos e engenheiros a incluir usuários no projeto de edificações. A expansão gradual do low-tech ao high-tech não facilita só para o usuário, mas também para a equipe de projeto e o cliente, que entende de onde vieram os números apresentados na visualizações.

Existem muitos outros aspectos da atividade do usuário que poderiam ser explorados em visualizações. O importante é que os dados representados sejam realistas, por isso, é preciso também considerar a maneira como o usuário será envolvido na visualização: será o usuário um mero receptor da visualização ou um cocriador?

Fred van Amstel ([email protected]), 21.08.2014

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