Revisitando os princípios da Web

A edição da Revista de Webdesign de fevereiro de 2007 traz uma reportagem sobre os princípios fundamentais que regem a Web. Abaixo transcrevo a entrevista que o jornalista Luis Rocha fez comigo durante a reportagem:

Luis Rocha - Os especialistas afirmam que para se atingir a plenitude no design para web é preciso dominar os princípios fundamentais que regem este campo do conhecimento. Por outro lado, será necessário conhecer também as particularidades que permeiam o ambiente no qual aplicaremos tais conceitos. Diante de sua experiência, quais são as particularidades da internet que influenciam na prática do design para web?

Frederick van Amstel - Ao contrário dos demais meios de comunicação, a Internet não foi inventada por uma única pessoa, nem tampouco é controlada por um pequeno grupo de pessoas. Já no seu berço militar, a descentralização era seu princípio fundamental de existência. Quando passou a ser usada pelas universidades, a descentralização permitiu que mensagens fossem trocadas livremente. Esta liberdade, por sua vez, permitiu que as pessoas se mobilizassem para agir em conjunto através da colaboração. A World Wide Web consolidou-se dessa forma graças à contribuição conjunta de diversas pessoas que sonhavam com um mundo sem fronteiras, sem censuras e sem burocracia. Quem quer que deseje continuar a evolução da Web deve ter em mente esses três princípios-chave: descentralização, liberdade e colaboração.

L -- Na edição de novembro de 2006, o professor João Leite analisava que "...o ambiente do hipermídia é uma novidade por nós ainda explorada como se fosse papel. Como se fosse uma superfície plana sobre a qual se dispõe a informação, sem considerar que este ambiente, por exemplo, acaba com a perspectiva renascentista. A lógica, por exemplo, pode ser das superposições. Dos planos que se encobrem e por vezes permitem transparências". Diante disso, quais são os principais obstáculos para se explorar os princípios fundamentais da internet dentro do design para web?

F - Na história dos meios de comunicação se observa que as novas mídias são primeiramente exploradas como melhorias das mídias pré-existentes. Os primeiros noticiários radiofônicos serviam para ler os jornais impressos e as primeiras películas cinematográficas serviam para adicionar movimento a fotografias de cenas do cotidiano. Conforme se percebe que as novas mídias possibilitam também novas formas de comunicação, desenvolve-se uma linguagem própria para cada nova mídia. A Internet tem pouco mais de dez anos, mas já possível perceber diferenças significativas na forma como são editados e lidos os jornais impressos e jornais online, por exemplo. O hipertexto realmente facilita o controle da leitura, mas a Internet permite níveis de interatividade mais intensos. O estadunidense Slashdot e o brasileiro Overmundo são parecidos com jornais online, mas quem escreve e edita as notícias são os próprios leitores. Estes “jornais colaborativos” não vão substituir os jornais online, assim como o computador pessoal não substituiu o papel, mas representam a vanguarda da Internet como mídia interativa.

L - Em artigo recente, o presidente da AgênciaClick, Pedro Cabral, apontou que "...se num passado não muito distante - cerca de 10 anos atrás - os internautas procuravam a internet principalmente para ler as últimas notícias, hoje lhe interessam muito mais serviços de comunicadores instantâneos, e-mail (que sempre foi um grande foco, e agora é ainda mais importante), busca, download de música. Essas são, atualmente, as maiores audiências de internet: audiências de serviço e ambientes de comunidade". De que forma as características dos usuários (forma de navegação, preferência pelo ambiente a ser utilizado para navegação etc.) deve transformar a criação e o desenvolvimento de ambientes digitais?

F - A Internet inaugurou uma nova forma de relacionamento das pessoas com os meios de comunicação de massa. O internauta não está limitado a assistir, ouvir e ler o que os outros pensam. Ele pode atuar, falar e escrever o que ele próprio pensa, bem como contrapor seus pensamentos ao de outros internautas. A limitação, por enquanto, é a dificuldade para fazer isso. Antigamente, para manter uma página pessoal era preciso ter noções de HTML, dominar o Frontpage, saber o que é uma conexão FTP e etc. Hoje, é possível criar uma página pessoal no MySpace preenchendo alguns formulários e clicando em alguns botões. Daqui a algum tempo, é possível que cada pessoa tenha a sua própria rede de comunicação personalizada, a chamada minimídia, integrando seus blogs, fotologs, podcasts, redes sociais e o que mais surgir. As pessoas estão conquistando cada vez mais poder sobre os meios de comunicação e, conseqüentemente, estão se deparando com os dilemas que somente os astros globais já haviam experimentado: a invasão de privacidade, a superexposição, a influência sobre a opinião pública e etc. As ferramentas para a minimídia devem ajudar as pessoas a lidar com tais dilemas.

L - No livro "design/web/design: 2", lançado em 2001, Luli Radfahrer ressaltava que "...pode parecer ridículo, mas o que não falta para a execução de belos e eficientes websites é a tecnologia. O problema é que a maioria dos websites está sendo feita por profissionais que ainda não entenderam direito para que serve o hipertexto e como usá-lo, ou seja, não conhecem as ferramentas com que trabalham". Passados seis anos, você acredita que as agências e os profissionais brasileiros conseguiram aperfeiçoar a forma como produzimos projetos digitais?

F - Numa olhada rápida pelo anuário Ibest de 2002 e no de 2006 percebo que os websites em destaque estão mais polidos visualmente, mais organizados e mais fáceis de usar. Acredito que isso seja resultado do amadurecimento dos processos de projeto que agora estão mais definidos e otimizados. Entretanto, o conteúdo pouco mudou. A Internet brasileira, em sua maioria, ainda continua sendo usada como mero veículo de comunicação institucional, ou seja, empresas conversando com empresas ou com consumidores. As aplicações Web 2.0 que os brasileiros tanto usam como Orkut, Blogger e Gmail foram todas criadas fora do Brasil. Isso denota como os profissionais que fazem Internet no Brasil estão atrasados; estão mais atrasados que os próprios internautas brasileiros, campeões de utilização desses novos serviços! Acredito que isso aconteça porque temos uma elite conservadora que teme ameaças ao seu poder, especialmente, o que exerce sobre os meios de comunicação de massa. Nos Estados Unidos os profissionais estão arriscando muito mais porque já entenderam que a participação popular na mídia não é uma ameaça; pelo contrário, é oportunidade.

L - Ainda no livro, Luli afirma que algumas características fundamentais da internet possibilitam a criação de ambientes adimensionais, alineares, manipuláveis, personalizáveis e colaborativos. Diante destas características, é possível dizer que o movimento Web 2.0 representa uma evolução na forma como criamos e desenvolvemos sites?

F - Estou cada vez mais convencido de que Web 2.0 é mais do que uma transformação na forma como desenvolvemos sites. Trata-se de uma mudança drástica da relação que as pessoas tem com a mídia de massa. Não é a toa que a revista Time escolheu a soma das pessoas que contribuem para a Internet como a personalidade do ano. Em muito breve, surgirão “novas revistas” editadas por pessoas comuns que apontarão cada uma, uma personalidade do ano diferente. As pessoas não terão somente 15 minutos de fama, mas terão quantos minutos quiserem, ou melhor, quantos minutos conseguirem conquistar a atenção dos outros. Não será mais preciso prestar vestibular para jornalismo, fazer um book fotográfico ou ser eleito vereador para aparecer na mídia. Cada pessoa terá a sua própria mídia pessoal, a minimídia, nas palavras do designer Adrian Chan.

L - Você poderia apontar dois sites (e suas características principais) que conseguem explorar, em sua plenitude, os princípios fundamentais da web?

F - Os exemplos que mais chegam perto dos princípios fundamentais da web são os antagônicos Blogger e Wikipedia. Enquanto o primeiro permite registrar um conhecimento individual, no segundo, é possível colaborar para a construção de um conhecimento coletivo. Entretanto, como força também é fraqueza, no Blogger, a colaboração é limitada e, na Wikipedia, existe uma certa centralização na moderação.

7 - Quais dicas bibliográficas (artigos, livros, sites etc) você traria para o profissional que deseja se aprofundar no assunto?

Livros:

Sites:

Fred van Amstel ([email protected]), 27.02.2007

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