Política do Corpo na Interação

ExistentZ é um jogo baseado num implante biológico que permite vivenciar sensações e experiências num corpo virtual. O filme narra a perseguição da game-designer do jogo e a descoberta deste novo mundo por seu guarda-costas. A percepção de realidade dos protagonistas e do espectador do filme são constantemente questionadas através da entrada e saída de múltiplos cenários. Dentro do jogo, os protagonistas iniciam outro jogo, por exemplo.

O corpo humano é o tema central da obra. O console em que ExistenZ roda é feito de órgãos humanos e a conexão com o corpo é feita por um cordão umbilical. A conexão entre os dois inicia um processo simbiótico: o corpo humano alimenta o console e o console alimenta a mente humana. O protagonista do filme em certo momento se questiona sobre essa desconexão da mente com o corpo: ?será que meu corpo real está bem enquanto eu estou aqui??

Conforme os protagonistas vão evoluindo no jogo, são obrigados a tomar decisões éticas. O guarda-costas titubeia em fazer certas ações, mas quando isso acontece o jogo fica paralizado. O jogo não permite questionamentos. O jogador tem que fazer a ação que o jogo espera dele. Após matar diversos personagens do jogo, os protagonistas discutem se matar uma pessoa no jogo é o mesmo que matar na vida real. O questionamento é pertinente, pois na ocasião os jogadores não sabem se estão dentro ou fora do jogo.

ExistenZ pode ser considerado uma atualização de Videodrome, clássico dos anos 80 que trouxe o cyberpunk para o videocassete. Em ambos, David Cronenberg discute a influência das mídias sobre o corpo, mais especificamente sobre a relação de violência. Em Videodrome, é a influência da televisão; em ExistenZ, é o videogame.

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A diferença entre Videodrome e ExistentZ representa não só a maturidade de Cronenberg, mas também dos estudos de mídia. A estética cyberpunk em Videodrome cria, por vezes, um asco tão forte que distancia o espectador da relevância do tema. Analogamente, os estudiosos de mídia da época bradavam que a televisão trazia temas inúteis e pensava pelos espectadores, o que os espectadores obviamente não concordavam.

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Já em Existenz, a relação do espectador com a mídia é mais complexa. Os protagonistas se questionam diversas vezes, convidando o espectador a refletir. Porém, não é dada nenhuma resposta definitiva, deixando inclusive o final em aberto. A estética cyberpunk desta vez é oposta: sutil, sensual e, principalmente, integrada ao corpo humano. Cronenberg demonstra que a tecnologia já não pode mais ser considerada como um mal que adentrou nossos corpos, mas como parte constitutiva e fundamental do mesmo.

O caminho de Videodrome a ExistentZ demonsta que o centro da política do corpo hoje em dia não é mais a regulação estatal ou comercial e sim as escolhas dos próprios indivíduos. O seu corpo é feito de suas ações. Se algo está errado com ele, a culpa é sua. O corpo passa de vítima a réu. A internalização da disciplina demanda novos tipos de interfaces, que interpelem o corpo de forma cada vez mais tangível. Do mouse ao Nintendo Wii, do dedo ao torso, da razão aos sentimentos. Enfim, Design Emocional para Corpos Dóceis.

Fred van Amstel ([email protected]), 23.05.2011

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