Design e criação coletiva

Durante minha pesquisa de mestrado, levantei uma série de questões aqui no Usabilidoido que não consegui desenvolver suficientemente. Meu objetivo era desenvolver uma metodologia de design materialista-dialética, mas não houve tempo suficiente para isso. Agora, no doutorado, estou retomando o fio da meada e acredito que já tenho alguns avanços interessantes para compartilhar.

A primeira realização veio da minha experiência de mercado pós-mestrado: você não deve lutar por nenhum purismo acadêmico na prática de mercado. Ao invés de rejeitar o modo como as pessoas fazem algo e dizer que você sabe como fazer melhor, é muito mais interessante incorporar a prática dentro da sua visão, demonstrando que sua proposta pode complementar e estender, não substituir.

Então, meu objetivo hoje não é criar mais uma metodologia de design. Meu objetivo atualmente é apoiar o design que é realizado livremente por especialistas e não-especialistas, o que venho chamando de Design Livre. O Design Livre não é uma metodologia de design. É uma filosofia ou talvez pedagogia que tenta criar conexões entre o que as pessoas já sabem sobre design e o que elas podem vir a saber por fazer design. O Design Livre atua na Zona de Desenvolvimento Proximal.

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Sim, o Design Livre tem tudo a ver com aprender fazendo, mas isso não significa que dispense teoria. Quando se trabalha com o conhecimento de profissionais do fazer (como o Design, por exemplo), Donald Schön demonstra que não faz sentido separar teoria de prática, pois ambos estão entrelaçados firmemente na realização das atividades diárias. É o que Marx chamava de praxis.

O questão que deixou Schön encafifado, era como o conhecimento dessas profissões avançaria, se havia um ciclo de retroalimentação entre teoria e prática. Ele propõe, então, o conceito de reflexão na ação, o momento em que você pára de agir mecanicamente, pensa sobre a situação e tenta fazer melhor. Através da comunicação de tais reflexões, o conhecimento das profissões avança.

Minha visão sobre o assunto é que, na maior parte do tempo, não há tempo para reflexão. O profissional simplesmente faz o que tem que fazer, sem pensar muito se poderia fazer diferente. Porém, a comunicação sempre acaba acontecendo, de uma maneira ou de outra, pois é um requerimento da própria profissão. O profissional trabalha numa rede e precisa comunicar-se com outros profissionais para ser bem sucedido em suas tarefas.

Discutindo um projeto no escritório Faber-Ludens

É nesse momento em que ele reflete mais profundamente: enquanto tenta comunicar-se com outros. Estendendo a idéia do Schön, proponho a noção de reflexão na comunicação, que também é um tipo de ação, mas que uso apenas para enfatizar a importância do momento.

Quando uso o termo comunicação, não estou me referindo à apresentar os resultados do trabalho. Estou tomando comunicação como um processo multilateral e interativo, uma conversa. Schön também utiliza a noção de conversa, porém metaforicamente: para se referir à reflexão que surge da interação com a situação em que o profissional realiza seu trabalho. Eu estou me concentrando na conversa num sentido literal, pois é algo que pode ser observado e tem mais a ver com a pedagogia freiriana, da qual tenho grande simpatia.

Schön utiliza a análise de conversas entre profissionais como um meio para chegar na reflexão, um fenômeno cognitivo. Eu uso a conversa para chegar na comunicação, um fenômeno social. Eu não estou interessado em analisar como se dá o salto criativo de um profissional, meu interesse é no como fazer esse salto acontecer entre grupos de profissionais e não-profissionais. Enfim, como incentivar, equipar e avaliar a criatividade coletiva em práticas de design.

Esse interesse me trouxe de volta à questão da origem do projeto. Na época do mestrado, escrevi que a participação já acontecia desde o início do projeto, fruto de intenções conflitantes e desejos contraditórios. O papel do designer seria mediar contradições e não resolver problemas. Nessa época, eu acreditava que, frente ao desafio da criação coletiva, o papel do designer seria mediar o processo. Hoje eu continuo acreditando que isso é possível e desejável, mas não necessário. A criação coletiva vai acontecer, independente de ter um mediador especialista ou não. E as pessoas vão falar de problemas e de soluções, mesmo que seja uma terminologia inadequada.

O que me preocupa hoje é como suportar a criação coletiva onde não há a possibilidade de haver um mediador especialista em Design Participativo ou outras metodologias colaborativas. Eu ainda não sei exatamente qual será minha contribuição nesse sentido, mas o que tenho feito até agora é colocar as teorias fundamentais de Design sob a perspectiva de um processo coletivo.

Uma noção fundamental é que design é solução de problemas. Na época do mestrado eu desafiei essa noção dizendo que a mediação de contradições não era solução de problemas. Pode ser que eu estava certo ou pode ser que eu estava errado. Tudo depende do que se considera ser um problema e o que se considera ser uma solução.

O interessante é que essa escolha impacta diretamente o resultado do processo de design. No momento estou preparando um experimento com estudantes de design para verificar isso, mas já posso compartilhar os resultados da pesquisa bibliográfica que fiz para montar o experimento.

Gravei usando o ShowMe no iPad. Os detalhes do experimento serão publicados no meu blog em inglês.

Fred van Amstel ([email protected]), 20.09.2011

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